Ao Brasil de Fato, cacique faz um balanço da 23ª Assembleia Xukuru do Ororubá e dá um panorama da luta indígena no país
Pedro Stropasolas, Brasil de Fato
“Os passarinhos seguem espalhando sementes da Serra do Ororubá e reflorestando mentes, porque o Brasil é Território Indígena e Nunca Mais um Brasil Sem Nós.”
O trecho que encerra o documento final da 23ª Assembleia Xukuru do Ororubá celebra o retorno presencial de um encontro que fortalece a tradição dos povos originários em todo o nordeste brasileiro.
Entre os dias 17 e 20 de maio, o povo xukuru das 24 aldeias localizadas na Serra do Ororubá, em Pesqueira (PE), no agreste pernambucano, se reuniram na Aldeia Pedra d’água para homenagear o cacique Xicão, assassinado em 1998, e organizar as lutas cotidianas. O tema: Limolaygo Toype: Mandaru preparando mentes, para espalhar sementes!
“Foram meses de preparação, uma ansiedade tamanha das instâncias de organização do povo xucuru, porque aqui se trata de um momento de partilha, um momento de encontros e reencontros. E é a partir desse espaço, desse ambiente, que a gente consegue se reconectar também com a nossa ancestralidade, repensar nossas atitudes, construir junto esse projeto de forma muito democrática, dentro da perspectiva de coletividade da nação xukuru”, pontua o cacique Marcos Xukuru, em entrevista ao Brasil de Fato.
Na conversa, realizada em frente ao espaço Mandaru no intervalo das atividades, o cacique do povo xukuru do Ororubá e assessor especial do Ministério dos Povos Indígenas descreve o clima do reencontro entre a população xukuru, dá um panorama da luta indígena no país, e levanta, em primeira mão, a possibilidade de uma candidatura xukuru para o Congresso Nacional.
“A gente precisa assumir esse protagonismo. Precisamos aldear a política. E não só a política, a gente precisa aldear a universidade, a escola…Enfim, todos os espaços, para que a gente possa avançar e garantir a nossa existência e resistência enquanto povos indígenas”, pontua o cacique.
Um desafio coletivo para o povo xukuru, na visão de Marcos, é definir a gestão territorial do território em meio a população indígena que se expande.
“Vai chegar um momento que os 27.555 hectares de terra vão ser insuficientes para as 12 mil famílias que a gente tem. Esse território não vai crescer. Mas a população vai crescer. Então como vamos trabalhar isso? Cabe a nós aqui nesse momento deixar as coisas preparadas para o futuro, sabe? A gente tá num processo de preparação para o futuro”, pontua o cacique.
O encontro foi aberto ao público e contou, entre tantas atividades, com ação de plantio de mudas, apresentação de teses e dissertações, debates com as Instâncias de Organizações Sociopolíticas da etnia e aulas sobre a luta xukuru em cortes internacionais.
A Ministra dos Povos, Originários Sônia Guajajara compareceu no primeiro dia, acompanhado da deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), a presidenta da Funai Joênia Wapichana, e Weibe Tapeba, Secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. Tudo foi transmitido ao vivo pela Ororubá filmes, referência de etnomídia no Brasil construída pela juventude do Povo Xukuru.
“Esse espaço não é só xukuru, ele resulta que agrega todas as outras lutas. Aqui a gente tem apoiadores, universidades, organizações não governamentais, povos indígenas que vêm de todas as regiões do país, uma gama de juventude muito grande. É um momento de partilha, de construção e reconstrução”, pontua o cacique.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato: Cacique, primeiramente qual a sensação com a volta da Assembleia Xukuru dentro do território, após anos de paralisação por conta da pandemia?
Cacique Marcos Xukuru: São vinte anos de realização desse grandioso evento do povo Xukuru. Passamos três anos sem realização do encontro dentro do território xukuru por conta da pandemia.Foram meses de preparação, uma ansiedade tamanha das instâncias de organização do povo xukuru, porque aqui se trata de um momento de partilha, um momento de encontros e reencontros. E é a partir desse espaço, desse ambiente, que a gente consegue se reconectar também com a nossa ancestralidade, repensar nossas atitudes, construir junto esse projeto de forma muito democrática, dentro da perspectiva de coletividade da nação xukuru.
Então, esse evento pra gente é algo grandioso, sabe? É recepcionar pessoas que vêm aqui, de outros povos. Esse espaço não é só xukuru, ele resulta que agrega todas as outras lutas. Aqui a gente tem apoiadores, universidades, organizações não governamentais, povos indígenas que vêm de todas as regiões do país, uma gama de juventude muito grande. É um momento de partilha, de construção e reconstrução.
Então, pra gente é muito importante sediar a nossa assembleia esse ano. Nós temos como tema espalhar sementes para conseguir nos reconectar com a nossa força ancestral através das forças dos encantamentos, dos reflorestamentos. Quando a gente fala em reflorestamento é a gente se permitir que os encantados estejam aqui presente o tempo todo, que cada um de nós possa se reconectar e através dos ensinamentos deles a gente possa encontrar o nosso caminho, né? Então é isso, estou muito feliz em poder acolher tantas pessoas aqui no nosso espaço Mandaru.
Em 2020, você se elegeu prefeito de Pesqueira. Hoje, é uma referência não só para a população xukuru, mas também para os não indígenas que vivem na cidade. Isso fica evidenciado na própria caminhada de encerramento da assembleia. Quais foram os desafios para alcançar esse reconhecimento e institucionalizar a luta indígena no poder público municipal?
Eu acho que a partir daqui, do processo de luta do povo xukuru, desses momentos da assembleia, onde sobem muitas pessoas da cidade de Pesqueira para cá conhecer a assembleia xukuru, isso de alguma maneira introduziu uma outra visão, uma outra perspectiva de projetos de vida através de uma discussão mais coletiva, envolvendo a todos nesse processo.
E aí, o que que acontece. Pesqueira começou a entrar em uma decadência de lideranças políticas. Dentro disso, os amigos, as pessoas, começam a dizer: ‘olha, é possível você seja candidato a prefeito’. E aí, eu lanço nossa candidatura a prefeito da cidade, e a gente é eleito prefeito da cidade de Pesqueira. Eu fui eleito prefeito da cidade, mas por conta da luta, do histórico de luta do povo xukuru, os nossos adversários entraram na justiça.
Eles judicializaram o processo e a gente termina não assumindo o mandato. Mesmo assim, a gente consegue garantir que o nosso grupo político consiga exercer essa participação política da cidade. Passados dois anos, a gente termina perdendo o processo no TSE, em Brasília. Porém, a gente vai novamente para o embate. Apresentamos novas pessoas do próprio grupo, inclusive meu sobrinho, que é Guilherme Araújo, como vice-prefeito. E a gente consegue ganhar as eleições novamente.
Então em dois anos a gente ganha eleições consecutivas no município de Pesqueira. Isso começa a reverberar positivamente em uma perspectiva de que é possível a gente se reconectar, é possível a gente pensar em um projeto participativo,e é isso que a gente propõe na cidade de Pesqueira.
Mas ao mesmo tempo é um desafio tamanho, porque a política partidária partidária é muito adversa do que a gente pensa enquanto projeto de vida. Então, é se contrapor, é quebrar tabus nesse processo. E aí gente, muitas vezes, se frustra, porque a política é vista de outra maneira. O sistema é perverso. Então, é um desafio tamanho pra gente hoje estar dentro do processo político municipal e porque não dizer a nível nacional, até porque hoje já se cogita, a possibilidade de lançar uma candidatura a Deputado Federal. É algo que a gente não pensa ainda, deixa fluir naturalmente. A gente precisa entender qual é o nosso papel, a nossa missão.
Cacique, em relação a luta indígena no país, atualmente você ocupa o cargo de assessor especial do Ministério dos Povos Indígenas, a convite da ministra Sônia Guajajara. Por que a criação da pasta representa um marco para os povos originários no Brasil?
A nossa ministra Sônia nos convidou para ser assessor especial dela. Eu digo pra ela, Sônia: eu eu tô aqui para servir, eu não tô aqui atrás de cargo, de função, sabe? Eu acho que a minha missão vai para além disso. Eu não estou aqui atrás de questões financeiras. Eu quero na verdade é servir. Porque eu entendo que eu tenho uma missão aqui nesse espaço físico que a gente ocupa hoje. E que um dia eu vou ser um ancestral, um ancestral assim como o cacique Xicão, meu pai, e que vai seguir para os nossos filhos, as nossas crianças seguir esse legado de vida.
A conjuntura atual é extremamente importante. Nós conseguimos, enquanto movimento indígena, enquanto APIB, APOINME, e todas as organizações indígenas, avançar bastante nesse processo. Nós passamos quatro anos muito ruins, em que os povos indígenas estavam em ataque constante. Isso era permanente no governo anterior. Porém se criou uma grande expectativa no governo Lula. E aí o movimento indígena ele parte pra cima, a gente consegue pautar essas lutas, e trazer isso para o nosso presidente Lula, pautando a necessidade da inserção do movimento e das lideranças indígenas nesse protagonismo.
São anos de resistência e de luta. E o estado brasileiro não reconhecer que nós temos uma população que defende, que luta, por interesses que está relacionado a questão territorial. E a questão territorial está linkada diretamente com a preservação ambiental nesse país, sabe? Então quem são os guardiões das florestas: os povos indígenas. E a gente só tinha uma autarquia, que era a FUNAI, e a Sesai. Enfim, uma coisa que estava em um segundo plano da política nacional.
Então, nós precisávamos de algo maior, com mais impacto e que tivesse um peso. Evidentemente, algo igualitário aos outros ministérios. E aí a gente busca essa questão (a criação do ministério) no acampamento terra livre, quando Lula foi convidado ainda como candidato à presidência da república.
A gente precisa assumir esse protagonismo. Precisamos aldear a política. E não só a política, a gente precisa aldear a universidade, a escola…Enfim, todos os espaços, para que a gente possa avançar e garantir a nossa existência e resistência enquanto povos indígenas”.
A assembleia xukuru é uma homenagem ao seu pai Cacique Xicão, o Mandaru, que foi assassinado em 20 de maio de 1998. Quem foi Xicão Xukuru e como a sua luta ainda ecoa no território?
Mandaru, o cacique Xicão, é quem iniciou a luta no território xukuru pela recuperação desses espaço físico. Infelizmente, ele partiu muito cedo. Foi uma pessoa que inspirou e inspira até hoje todos nós, né? Ele vive em cada um de nós.
Os nossos inimigos achando que matando Xicão iria a luta se encerrar. Muito pelo contrário, porque Xicão vive em cada um do xukuru, e vive naqueles que estão chegando inclusive, ou seja, ele renasce a cada momento. A cada xukuru que nasce, ele nasce junto. Então isso é algo impressionante que acontece. Essa força que ele traz não é só para a nação xukuru, começa também a irradiar nos outros. Aqueles que chegam também sentem esse processo. Então, ele está presente sempre no nosso meio, no nosso convívio.
A educação é um dos pilares da auto organização política do povo xukuru. Como se dá o processo de preservação da cultura e dos saberes xukuru dentro do território?
A educação a gente entende que é uma das ferramentas para gente poder estar garantindo, que a nossa juventude ela esteja imbuída dentro desse contexto dos costumes, crenças e tradições, então ela é uma das ferramentas, dentre tantas outras. O toré na mata garante a nossa presença. A gente se utiliza também a Ororubá Filmes, que é a juventude através das tecnologias buscando garantir que todos possam se conectar com a nossa ancestralidade, buscando se fortalecer. Tem o teatro também.
É a partir daí que se começa a buscar esse fortalecimento. Inclusive muitos jovens que não participaram do processo de retomada, através do audiovisual e de outras ferramentas, conseguem se conectar com aquele tempo lá atrás, o tempo da retomadas, de quais as dificuldades e como se deu esse processo, né
Cacique, você ressaltou na assembleia que os xukuru passam hoje por desafios em relação a gestão territorial. Quais são esses desafios?
Estamos parando para refletir sobre o espaço que temos, e de como precisamos utilizar esse espaço respeitosamente, garantindo que as nossas gerações possam ter essa visão de pertencem a esse espaço e que nós precisamos cuidar dele.
Porque vai chegar um determinado momento que os 27.555 hectares de terra vão ser insuficientes para as 12 mil famílias que a gente tem. Esse território não vai crescer. Mas a população vai crescer. Então como vamos trabalhar isso? Cabe a nós aqui nesse momento deixar as coisas preparadas para o futuro, sabe? A gente tá num processo de preparação para o futuro
Edição: Rodrigo Durão Coelho
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Imagem: A comitiva do Ministério dos Povos Indígenas participou da ação de plantio de árvores na 23ª Assembleia Xukuru do Ororubá – Mrê Krijõhere/Ministério dos Povos Indígenas