MPF recomenda que seja suspensa licitação para concessão de zonas da Floresta Estadual do Paru, no oeste do Pará

Objetivo é proteger indígenas isolados e de recente contato, além de povos e comunidades tradicionais que habitam a região

Ministério Público Federal no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação ao Governo do Estado do Pará, à Secretaria Estatual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e ao Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio) para que suspendam, imediatamente, o processo licitatório para concessão das Unidades de Manejo Florestal 5ª e 6ª da Floresta Estadual do Paru, no oeste do estado. A área das unidades corresponde a 219 mil hectares (um hectare equivale à área de um campo de futebol, aproximadamente).

Em observância ao princípio da precaução, o objetivo é impedir a continuidade de todo e qualquer ato administrativo relacionado, direta ou indiretamente, ao processo de concessão dessas áreas, iniciado em julho deste ano. Segundo o MPF, mesmo reconhecendo que as unidades de manejo estão no limite da zona intangível – de proteção integral – da Terra Indígena Zo’é, o governo paraense não buscou a Fundação Nacional do Povos Indígenas (Funai) para avaliar eventuais impactos sobre os povos isolados ou de recente contato que habitam a região.

Os procuradores da República Daniel Luis Dalberto, titular do Ofício Socioambiental de Indígenas Isolados e de Recente Contato, e Paulo de Tarso Moreira Oliveira, titular do 4º Ofício do MPF em Santarém, responsáveis pela recomendação, lembram que a legislação nacional e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário garantem aos indígenas o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado sobre qualquer empreendimento que impacte seus territórios, bem como seu modo de viver, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Deve ser considerado que há registros antigos e recentes de grupos em isolamento na área e que sua forma isolada de viver é atitude de autodeterminação que deve ser considerada suficiente para fins de consulta, nos termos das normas internacionais de direitos humanos, destacam os membros do MPF.

Eles esclarecem que as audiências públicas realizadas nos municípios de Monte Alegre, Alenquer e Óbidos não podem ser consideradas para fins de cumprimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Isso porque a consulta com consentimento prévios dos povos afetados deve ser realizada nos termos dos protocolos de consulta dessas populações, por meio de procedimentos próprios e específicos. Além disso, deve garantir poder de decisão aos povos interessados.

A recomendação ressalta que, nas oportunidades que lhes foram possíveis, os indígenas Zo’é manifestaram-se de maneira veementemente contra a intenção do governo de permitir que madeireiros andem nas áreas próximas de suas terras, abram estradas e retirem árvores sem seu conhecimento, prejudicando e espantando sua poupança de caça que fica na outra margem do Rio Cuminapanema.

Diversas associações de povos indígenas e de extrativistas, além de organizações de defesa de direitos desses povos e comunidades, também manifestaram repúdio à condução do processo de concessão florestal, relatando a falta de consulta e pedindo o cancelamento dos atos administrativos relacionados ao propósito. Entre esses grupos e organizações estão a Associação Indígena Kaxuyana, Tunayana e Kahyana (Aikatuk), a Associação dos Povos Indígenas do Mapuera (Apim), a Associação dos Povos Indígenas Trombetas Mapuera (Apitma), a Associação de Mulheres Indígenas da Região do Município de Oriximiná (Amirmo), a Associação dos Povos Indígenas Wai-Wai (Apiw), o Conselho Geral do Povo Hexkaryana (CGPH), a Associação Aymara, indígenas do Território Wayamu, o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Associação Mista Agrícola Extrativista dos Moradores da Comunidade Jamaracaru (Acaje).

O MPF destaca ainda que, durante a Cúpula da Amazônia, realizada em Belém (PA) no início de agosto, com a presença de chefes de Estado e da sociedade civil, o governador do Pará assumiu compromissos para a preservação e manutenção da floresta em pé, bem como para a proteção dos povos indígenas e populações tradicionais.

Medidas recomendadas – Além da suspensão imediata da licitação que tem por objeto a concessão das Unidades de Manejo Florestal 5ª e 6ª da Floresta Estadual do Paru, o MPF recomendou à Semas e ao Ideflor-Bio que deixem de adotar qualquer interpretação tendente a presumir a ausência de impactos ao povo Zo’é a partir da zona intangível (raio de 20 km) estabelecida no Decreto Estadual 1.310/2008. Os procuradores esclarecem que tal área é afetada ao uso e proteção dos indígenas, tendo legalmente assegurada o mais alto grau de preservação.

O MPF também requer a anulação de todos os atos administrativos praticados pelo Ideflor-Bio no âmbito do processo de concessão das unidades de manejo florestal, uma vez que os editais e as audiências públicas não observaram a prévia e necessária articulação com a Funai e com os povos e comunidades tradicionais, bem como violaram o direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado previsto na Convenção 169 da OIT.

A Secretaria de Meio Ambiente e o Ideflor-Bio devem tomar ciência dos estudos que apontam a presença de povo ou grupo de indígenas isolados na região e da incompatibilidade de atividades econômicas na área com a confirmação dessa hipótese, além de promover atuações alinhadas com a Funai, Iphan e Ibama para a adequada atuação técnica, antropológica, arqueológica e ambiental, para fins de proteção efetiva dos povos indígenas isolados.

Por fim, devem deixar de realizar certames que possam gerar impactos diretos ou indiretos aos povos de recente contato e em processo de identificação e localização, considerando a impossibilidade legal e constitucional do desenvolvimento de atividade econômica em área com potencial de afetar esses grupos vulneráveis.

Os destinatários da recomendação têm prazo de 20 dias para informar ao MPF o seu acatamento, encaminhando esclarecimentos detalhados acerca das providências adotadas para seu cumprimento. O não atendimento das providências apontadas pode resultar na responsabilização dos agentes públicos por sua conduta comissiva ou omissiva, sujeitando-os às consequentes medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.

Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

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