Para o procurador da República Marco Antônio Delfino, atos praticados por agentes públicos contra Marçal tiveram motivação política
“Marçal de Souza foi vítima de um crime que não faz senão evidenciar a persistência de um cenário brasileiro marcado por colonização e dominação violenta, no qual a história e a memória dos grupos sociais locais são frequentemente apagadas”. A constatação está presente em pedido de anistia apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) junto da família do líder indígena nesta sexta-feira (24). O pedido foi lido durante o evento Marçal, Presente: Memória dos 40 Anos do Assassinato de Marçal de Souza Tupã’i, que faz referência às quatro décadas do assassinato do indigenista, ocorrido em 25 de novembro de 1983.
O pedido de anistia tem como propósito reparar parte dos prejuízos causados à família de Marçal de Souza pela perseguição praticada por agentes do Estado contra ele. O líder indígena era servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e, além de ameaças e agressões de seus superiores, sofreu arbitrária remoção de sua lotação em razão de seu posicionamento político e ativismo em defesa dos direitos dos povos Guarani e Kaiowa. Ele também foi alvo de permanente e ilegal monitoramento pelos órgãos estatais de inteligência. As provas que compõem o pedido de anistia constam de dossiê da Funai e outras informações de órgãos oficiais que atestam a perseguição sofrida por Marçal de Souza.
De acordo com o procurador da República Marco Antônio Delfino, as provas evidenciam, portanto, a motivação política dos atos administrativos praticados contra o líder indígena, pressuposto para a concessão da anistia. Deste modo, considera urgente que o Estado brasileiro reconheça essas violações e, com base na Lei 10.559/2002, conceda anistia política “post mortem” a Marçal de Souza. Além da concessão de anistia, o MPF também recomenda a reparação econômica aos familiares dele, tendo em vista que os atos de exceção provocaram sua desestruturação, colocando em risco, portanto, os membros de sua família.
Por fim, o MPF requer a implementação de medidas que viabilizem comunicação efetiva e capaz de disseminar a trajetória de Marçal de Souza e sua luta frente a defesa dos direitos fundamentais dos povos originários. “A tragicidade desse evento ressalta a necessidade premente de abordar questões inerentes aos direitos fundamentais, especificamente o direito à memória, verdade, justiça e reparação”, aponta Marco Antônio Delfino.
Anistia
A Lei 10.559/2002, que dispõe sobre o regime do anistiado político, oferece os parâmetros e as diretrizes fundamentais quanto à constituição da anistia e quanto aos seus efeitos. Em seu artigo 8º, a norma prevê que “é concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção”.
No caso de Marçal de Souza, observa-se que seu ativismo político já era alvo de críticas e ameaças desde, aproximadamente, 1970. De acordo com o MPF, os atos administrativos praticados por agentes públicos para prejudicá-lo constituem abuso de poder. Desse modo, a Lei 10.559/2002 deve ser aplicada para garantir a devida reparação, sob a forma de compensação, aos familiares de Marçal de Souza, defende o MPF.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Mato Grosso do Sul
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O cacique guarani Marçal de Sousa denuncia ao Papa João Paulo II os assassinatos cometidos contra o seu povo no Mato Grosso do Sul, durante visita do pontífice ao Brasil. Foto: Luiz Pinto /10-07-1980