Mineradoras devem fazer estudo para inclusão de mais atingidos indígenas

Proposta foi feita em audiência de conciliação sobre o “acordo-desastre”, que também é contestado judicialmente

Fernanda Couzemenco, Século Diário

As empresas Vale, Samarco e BHP Billiton devem realizar um levantamento do número real de atingidos com direito a receber o Auxílio de Subsistência Emergencial (ASE) nas aldeias indígenas de Aracruz, norte do Estado. A medida foi o único ponto de consenso alcançado na audiência de conciliação mediada pelo juiz da 4ª Vara Federal de Belo Horizonte, Vinicius Cobucci, entre as lideranças indígenas e as mineradoras responsáveis pelo crime contra a Bacia do Rio Doce, em novembro de 2015.

O objetivo é revisar o acordo firmado entre entidades indígenas e a Fundação Renova no final de 2021 e que vem sendo chamado de “acordo-desastre” pelas aldeias e o Ministério Público Federal (MPF), devido às “violações continuadas” de direitos em que o acordo consiste.

A apresentação da proposta de extensão do ASE ficou agendada para o dia 22 de janeiro. Havendo aceitação por parte das entidades indígenas, será levada para avaliação das comunidades em assembleia geral das aldeias. Aprovada, será dado início a um cadastro dos atingidos que serão incluídos no programa de auxílio emergencial. A proposta é de que o cadastro seja feito pelas associações indígenas que atuam no território, mediante treinamento fornecido pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

“O juiz entendeu que uma das formas de resolver o impasse seria as empresas fazerem um levantamento do quantitativo de indígenas impactados no território e formularem uma proposta, por indivíduo e não mais por núcleo familiar”, conta Joel Monteiro, presidente da Associação Indígena Tupinikim de Caieiras Velha (AITCV). O entendimento do magistrado, explica, é que esse é um caminho mais simples e mais justo do que rever os critérios de reconhecimento de cada uma das pessoas dos núcleos familiares, como havia sido indicado na reunião anterior.

Joel afirma que é difícil apontar quantas pessoas atingidas devem ser identificadas nesse levantamento, que ainda não recebem o auxílio, mas, considerando uma estimativa feita em algumas aldeias mais populosas, é possível que, com as novas inclusões, o número de cadastrados dobre em relação ao atual. “Dentro de elegibilidade que a gente está discutindo, em que os menores de 16 anos seriam incluídos como dependentes e os mais velhos como titulares, pode chegar a dobrar, mas a gente só vai saber depois de feito o levantamento”.

Os outros pontos de pauta das comunidades indígenas, no entanto, não avançaram: indenizações, Plano Básico Ambiental Indígena (PBAI), Programa de Retomada Econômica, assessoria técnica independente e honorários advocatícios. “Todas essas pautas estão pendentes, não há qualquer avanço”, avalia.

Dois deles, a inclusão de mais pessoas e o aumento do valor das indenizações [os mais baixos de toda a bacia atingida] e o pagamento dos honorários advocatícios, pontua, as empresas afirmam que não irão ceder. Já sobre PBAI, retomada econômica e assessoria técnica, prossegue, elas fizeram propostas, mas que estão muito distantes das necessidades das comunidades.

Por isso, ressalta Joel, a importância das contestações judiciais que o Ministério Público Federal (MPF) está fazendo do “acordo-desastre”. Uma é na ação movida pela Associação Indígena pedindo a anulação do acordo. O pedido foi negado pelo juízo da 4ª Vara, que alegou ilegitimidade da entidade para fazer o pedido. O MPF então recorreu dessa sentença e aguarda posição do Tribunal Regional Federal (TRF). Uma segunda medida judicial impetrada em elaboração pelo órgão ministerial é a judicialização de uma nova ação anulatória, de sua autoria, que deve ser impetrada em breve.

As audiências são realizadas desde o último dia 17 de outubro, quando as comunidades decidiram suspender a ocupação dos trilhos da Vale que atravessam a Terra Indígena (TI) Comboios, dando um “voto de confiança” ao juiz Vinicius Cobucci, que se comprometeu a intermediar uma solução conciliada entre as partes.

Foi a segunda ocupação de ferrovia realizada pelas aldeias devido ao “acordo-desastre”. A primeira durou 43 dias, entre setembro e outubro de 2022, e foi encerrada após o juízo da 4ª Vara determinar a retomada imediata do pagamento do ASE, que havia sido suspenso unilateralmente pela Renova. Os demais pontos de pauta ficaram de ser acordados em audiências de conciliação, que aconteceram até meados de 2023, quando as empresas afirmaram que não iriam mais dialogar, depois que a Justiça decidiu contra a ação movida pela AITCV.

Uma nova ocupação dos trilhos não é descartada, apesar do desgaste que exige das comunidades. Mas até que uma nova assembleia considere essa possibilidade, a luta segue por meio das audiências de conciliação e as ações na Justiça.

Foto: Leonardo Sá

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