Racismo ambiental: entenda como o termo surgiu e como ele influencia as vítimas das chuvas e outros desastres ambientais

Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, usou o termo e foi atacada pela direita

Por Pâmela Dias, em O Globo

A expressão foi atacada e ironizada por perfis de direita nas redes sociais, depois de usada pela ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, para lamentar as 11 mortes e as famílias desabrigadas durante um temporal no Rio de Janeiro. Mas o racismo ambiental não é um termo novo, e é usado por acadêmicos para descrever um fenômeno que os brasileiros conhecem bem: os efeitos em maior proporção de catástrofes climáticas que impactam negros, indígenas e povos tradicionais em vulnerabilidade.

A expressão foi cunhada na década de 1980 pelo pesquisador e ativista americano Benjamin Franklin Chavis Jr.. O conceito foi validado nos Estados Unidos em meio a protestos contra depósitos de resíduos tóxicos no condado de Warren, na Carolina do Norte, onde a maioria da população era negra. A partir da articulação do movimento negro e de pesquisas que comprovavam a tese, o conceito passou a se espalhar internacionalmente.

De acordo com a pesquisadora Roberta Gondim, professora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, o movimento que racializou o debate sobre justiça ambiental só ganhou força no Brasil — país mais negro fora do continente africano — em 2005. Mas a pauta ainda segue fora dos debates comunitários. O pouco conhecimento do termo também contribuiu para os ataques a Anielle. Houve quem achasse que a ministra estava chamando o meio ambiente de racista ou que ela inventou a expressão.

— Ao falarmos sobre nossa História e as expressões mais atuais do racismo ambiental, devemos retornar ao período pós-abolição, quando os escravizados foram libertos em termos legais, mas sem um conjunto de direitos, como o trabalho remunerado e o direito à terra, e tendo como única opção a ocupação de espaços que não interessavam aos antigos senhores. A favelização e a periferização de espaços urbanos são herdeiros desse processo — explica Gondim.

Entre as mazelas que são caracterizadas por especialistas como decorrentes do racismo ambiental estão a falta de saneamento básico, de coleta de lixo, de rede de esgoto, de acesso à água potável e de instalação de aterros sanitários. O problema também está presente em territórios indígenas e quilombolas no campo, que sofrem com o desmatamento, o avanço do garimpo, os assassinatos de lideranças e o pouco avanço nas demarcações de terras.

Diferença nas capitais

O Instituto Pólis realizou uma pesquisa em Belém, em Recife e em São Paulo, em que mapeou áreas de risco, destacando a interseção entre desigualdade social e vulnerabilidade ambiental. Na capital pernambucana, os perigos estão vinculados tanto à inundação dos rios quanto aos deslizamentos de terra, que se concentram nos bairros de Caxangá e Ibura e nos morros da Zona Norte. Nessas regiões, a proporção de pessoas negras é de 68%.

A situação se repete em Belém, onde 75% da população em áreas de risco é negra, com uma renda média 32% menor que a média geral da cidade. As 125 áreas de risco mapeadas estão relacionadas ao perigo de inundação ou erosão causada por corpos d’água e não coincidem com os bairros de maior poder aquisitivo da capital paraense, como Nazaré e Batista Campos, em que a proporção da população branca é maior.

Na capital paulista, as áreas de risco se concentram nas Zonas Norte, Sul e Leste e no extremo Oeste, regiões com uma renda domiciliar média 54% menor que a média municipal, e com maioria de habitantes negros (55%). As áreas de maior concentração da renda, com baixa porcentagem de pessoas pretas e pardas, são onde o risco de movimentação de terra apresenta poucas ocorrências.

A incidência da crise climática e de seus impactos ambientais também afeta a saúde coletiva, devido à ausência de serviços básicos de saneamento. Em 2021, mais de 60% da população diagnosticada com doenças de veiculação hídrica, como a dengue, se autodeclararam preta ou parda. Os dados da pesquisa foram obtidos a partir do cruzamento de dados do IBGE e das prefeituras.

— Os impactos ambientais são socialmente produzidos — afirma o diretor executivo do Instituto Pólis, Rodrigo Iacovini. — Em grandes metrópoles como São Paulo, as chuvas atingem áreas ricas e áreas pobres. A diferença é que em bairros ricos e majoritariamente brancos, os moradores têm sistemas de contenção das chuvas. Se eles perdem um carro, recuperam fácil. Já a pessoa da periferia, se perde uma TV, pode demorar anos para recompor, além de correr risco de vida — completa.

COP-27 pautou tema

A primeira vez que o racismo ambiental se tornou pauta mundial de forma simultânea foi na 27ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, que aconteceu em 2022, no Egito. Ao fim do evento, foi criado um fundo para indenização por perdas e danos aos países mais pobres e vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas. Mas com a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, o debate não teve avanço no Brasil.

De acordo com a pesquisadora Francisca Marli Rodrigues de Andrade, líder do grupo de pesquisas Laboratório de Estudos Decoloniais, no país, movimentos de direita tendem a desconsiderar a existência do racismo ambiental como forma de desarticular lutas sociais.

— A resistência ao conceito configura-se como uma posição histórica e política, mas também econômica em negar a existência do racismo — aponta a pesquisadora.

Na Câmara, seis projetos de combate ao racismo ambiental aguardam análise, com propostas como estabelecer a obrigatoriedade de as concessionárias de energia elétrica criarem planos de contingência para lidar com as “ondas de calor” e outros eventos extremos, a criação de um seguro obrigatório de danos pessoais e materiais para desastres naturais relacionados às chuvas e de programas de auxílio à saúde da população negra — em especial as mulheres — vítimas do racismo ambiental.

Para o pesquisador Raphael Barreto, doutorando da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, a criação de uma agenda climática, que incentive o debate sobre o racismo ambiental inclusive dentro dos centros de ensino, é uma das saídas para engajar a população:

— É possível mitigarmos os efeitos dessas mudanças através de políticas públicas intersetoriais. A sociedade tem um papel importante nesse debate.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Daniel Levi.

Foto: CBN / Reprodução G1

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