Futebol, crise climática e distopia: o jogo já começou. Por Milly Lacombe

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Há décadas cientistas do mundo inteiro avisam sobre o que a exploração capitalista – infinita e desesperada por lucro imediato – dos recursos finitos do planeta faria com nossas vidas. Parecia sempre que esse dia seria logo mais, nunca hoje. Pois aqui estamos. Vivendo dentro de uma distopia. Blade Runner, Mad Max, Guerra Civil – chamem como quiserem desde que reconheçam que a ficção científica é agora o puro suco de realismo capitalista de nossas miseráveis vidas.

Os CTs de Grêmio e Inter foram inundados em Porto Alegre. Jogos no Rio Grande do Sul estão adiados. Desmatar e queimar a Amazônia e o Cerrado deu nisso. O agro é pop? O agro, nos termos em que é conduzido e administrado, é apenas morte.

Políticos de centro, de direita e de extrema direita – como se existisse diferença entre esses grupos – avisam que a saída é privatizar tudo. Desde a década de 1980 os processos de privatização de recursos públicos estão sendo implementados: os resultados estão aí. Poucos lucram muito; muitos padecem com pouco. É porque, explicam os homens que se parecem muito com Eduardo Leite, o badalado governador do Rio Grande do Sul, falta mais uma privatização. Só mais uma. A próxima.

O governador do Rio Grande do Sul, aplaudido por suas supostas qualidades de gestor, fracassou no combate às inundações em 2023 e fracassa em 2024. Ainda assim, coloca sua cara na chuva para pedir doações. Se lutasse pela taxação dos bilionários não precisaria passar por esse constrangimento.

“Ah, mas o governo federal não mandou os recursos”. Bem, quem tem que tratar com o governo federal é o governador, certo? Se há recursos e os recursos não foram solicitados quem é o responsável? São Pedro? Nuvens carregadas? A chuva que cai sobre essa terra há bilhões de anos? Ou o badalado governador? Ano passado, enquanto seu estado era inundado, ele estava em São Paulo dançando ao som de Ivete Sangalo.

Chuvas não causam enchentes. Poder público causa enchente. Concretar rios causa enchente. Não gastar com limpeza de bueiro causa enchente.

Chuvas não causam mortes. Deixar de usar dinheiro público para fazer manutenção de barreiras causa morte. Deixar de taxar bilionários causa mortes. Teto de gastos causa mortes. Responsabilidade fiscal sem responsabilidade social causa mortes.

Covid, dengue, calor extremo, inundações, vendavais, tsunamis. Novas pandemias. Crise migratória de pessoas em busca de água e alguma possibilidade de vida decente. Governos que privatizam tudo com a falsa e criminosa promessa de que a solução virá de gestores e CEOs. Falta de sensibilidade social. Ausência de solidariedade. Excesso de competição predatória. Empreendedorismo na veia.

Quem poderia acreditar que, diante de todo esse caos, a rodada seguiria sem abalos? Quem, com um mínimo de consciência, acha que a crise climática causada pelo capitalismo não chegaria ao futebol? O mundo ardendo em chamas ou debaixo de água e você assistindo ao Corinthians pela TV. Não, não é assim que o apocalipse se dará.

A menos que mudemos a rota – e o façamos agora – o fim do mundo vai ser lento, quente e fedorento. E sem futebol.

Vista aérea da enchente que atinge a cidade de Porto Alegre (RS); ao fundo, o estádio Beira-Rio. Crédito: Miguel Noronha /Enquadrar /Estadão Conteúdo /CNN.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zelik Trajber.

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