MPF recomenda a elaboração de norma conjunta que proteja o patrimônio cultural de povos tradicionais em licenciamentos ambientais

Órgão encaminhou recomendação orientando mudança no modelo atual que abre espaço para a destruição do patrimônio material indígena

Ministério Público Federal no Pará

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI), à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) a adoção de medidas para a proteção do patrimônio cultural material e imaterial de povos indígenas e de comunidades tradicionais no contexto do licenciamento ambiental.

Na recomendação, o MPF alerta que em vez de proteger esses bens, o licenciamento ambiental tem sido convertido em instrumento legitimador da destruição do patrimônio cultural dessas comunidades. A situação é ainda mais grave no contexto de licenciamentos ambientais nos quais o patrimônio entra em conflito com a construção dos empreendimentos. Lugares sagrados ou de sepultamento de indígenas localizados em áreas não demarcadas também enfrentam dificuldades para proteção, ressalta a procuradora da República Thaís Medeiros da Costa, que assina o documento.

Em alguns casos, com base em parâmetros de uma portaria interministerial que não têm fundamentação técnica ou administrativa, a Funai tem dispensado sua própria intervenção no licenciamento ambiental e a elaboração de avaliação de impactos específicos sobre indígenas, aponta a recomendação.

Negação sistemática – Além disso, a política patrimonial tem sido usada para negar o tombamento do patrimônio cultural de povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, sob a justificativa de que ele já estaria protegido enquanto sítio arqueológico. Para o MPF, essa alegação configura racismo institucional, porque reduz o patrimônio à condição legal exclusiva de artefatos arqueológicos, apesar de sua eventual relevância cultural, espiritual e cosmológica para as comunidades a que se vinculam.

No ano passado, o Iphan instituiu Grupo de Trabalho (GT) para revisar e aprimorar a Instrução Normativa 01/2015, que estabelece procedimentos administrativos a serem seguidos pelo órgão nos processos de licenciamento ambiental dos quais participe. No entanto, a área jurídica do órgão considerou que a revisão da norma não precisa ser submetida à consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Para o MPF, esse parecer contraria os direitos e interesses desses grupos.

Detalhes da recomendação – Ao MPI, Funai e Iphan o MPF recomendou:

  • a elaboração de normativa interinstitucional para a proteção ao patrimônio cultural material e imaterial indígena no contexto do licenciamento ambiental, garantindo-se a inviolabilidade de lugares sagrados, sepultamentos primários, urnas funerárias e outros bens arqueológicos sensíveis, especialmente quando estiverem localizados fora de áreas demarcadas ou reivindicadas por povos indígenas;
  • a constituição de GT interinstitucional, no prazo de 30 dias, para elaborar proposta de redação para a normativa, garantindo-se a participação de representantes indicados pelas entidades representativas indígenas de caráter nacional, caso tenham interesse;
  • a apresentação de cronograma, no prazo de 30 dias, prevendo todas as etapas para a elaboração e aprovação da referida normativa;
  • a submissão da normativa, antes de sua publicação, à consulta prévia, livre e informada das entidades representativas indígenas de caráter nacional.

Ao Iphan o MPF recomendou também:

  • que a revisão da Instrução Normativa 01/2015 incorpore os direitos coletivos dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais, previstos na Constituição Federal e em tratados e declarações internacionais de direitos humanos assinados pelo Brasil, relativos à proteção, ao acesso e ao manejo de seu patrimônio cultural, material e imaterial;
  • que se abstenha de publicar a revisão da Instrução Normativa 01/2015 enquanto sua minuta não for submetida à consulta prévia, livre e informada de entidades representativas nacionais dos povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais.

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