Representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais emitem Carta Aberta em protesto contra a Ferrogrão

Da Coluna de Guilherme Amado, na CPT*

Mais de 20 entidades representantes de povos indígenas, agricultores, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, elaboraram uma Carta Aberta ao diretor-presidente da empresa Estação da Luz Participações (EDLP), empresa responsável pelo projeto da Ferrogrão com o apoio de multinacionais do agronegócio como a ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus.

A ferrovia, com dimensão aproximada de 933 quilômetros, planeja ligar as cidades de Sinop (MT) e Miritituba (PA), transportando soja, farelo de soja e milho, a partir do porto no Rio Tapajós, para a China, Europa e Oriente Médio. Em seu trajeto, os vagões pretendem cortar com os trilhos de ferro Unidades de Conservação e 16 Terras Indígenas, incluindo algumas ainda não demarcadas, além de assentamentos e inúmeras propriedades de agricultores e agricultoras familiares.

Tomando forma em 2017, ainda o governo de Michel Temer, o projeto da Ferrogrão atravessou o mandato de Jair Bolsonaro e foi incluído no Programa de Aceleração do crescimento (PAC) do governo do presidente Lula, como obra para realização de estudos. As comunidades afirmam que não foram ouvidas sobre o empreendimento, e que, antes mesmo da construção, a obra já intensificou casos de grilagem, invasões, desmatamento, destruição e poluição de igarapés e ameaças contra os povos e comunidades, agravando os impactos que já existem com a construção da rodovia BR-163.

A falta de coerência apontada pelas entidades populares é de que, além da chefia da EDLP, Guilherme Quintella é vice-presidente do conselho diretor do Instituto Terra, organização fundada pelo fotógrafo Sebastião Salgado, que junto com a esposa, Lélia Deluiz Wanick Salgado, atuam como ativistas ambientais. A posição de destaque do executivo nesta organização ambientalista iria na contramão dos próprios valores do instituto.

Leia a carta na íntegra:

Prezado Guilherme Quintella,

Escrevemos essa carta juntos, povos indígenas, agricultores e agricultoras, movimentos sociais e comunidades tradicionais da região do Tapajós e do Xingu, depois que você procurou algumas de nossas lideranças. Como não sentamos sozinhos para conversar com empresas e seus representantes, te convidamos para uma reunião durante o Acampamento Terra Livre, mas, depois de aceitar, você disse não poder participar. Então agora nós te escrevemos para que não tenha dúvidas da nossa posição e esperando que você tome a decisão certa: abandone e denuncie o projeto da Ferrogrão e pare de ajudar na destruição dos nossos territórios e do futuro do planeta.

É isso mesmo. Na contramão da missão e valores do próprio Instituto Terra, você e sua empresa já estão promovendo essa destruição antes mesmo de uma decisão sobre a Ferrogrão ter sido tomada: só a possibilidade dessa ferrovia da morte ser construída já faz com que exista ainda mais pressão sobre nós e sobre os nossos territórios. É muita grilagem, é muita especulação, é muita invasão, é muita ameaça, é muito desmatamento, é muita poluição e destruição dos nossos rios, dos igarapés… E tudo isso em cima de um monte de problemas que a gente já enfrenta há muitos anos!

Muitos de nós já sofremos muito com a construção da BR 163 e com o complexo portuário já instalado na região do Tapajós, que não trouxe benefícios e sim muitas violações de direitos. O povo Panará quase acabou, e muitos morreram. Desde então, as plantações de soja e milho só aumentaram e vão aumentar ainda mais, se você e sua empresa continuarem apoiando esse projeto da Ferrogrão. Vão derrubar mais floresta para plantar mais soja e milho, vão jogar veneno, e o veneno vai descer e vai envenenar mais os peixes. Vão destruir mais o rio para fazer hidrovias para as barcaças, e vão fazer ainda mais portos que não deixam a gente pescar.

E tudo isso para quê? Para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras gigantescas? Para facilitar o lucro da Cargill, ADM, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi, enquanto a gente não tem terras demarcadas, não tem direitos respeitados? Nós nem fomos consultados! Você e todos os empresários, políticos e financiadores têm a obrigação de ouvir a nossa voz e respeitar os protocolos de consulta e nosso direito a veto. Deveriam fazer isso pelo bem de vocês, pois a Ferrogrão ameaça todas as gerações que ainda vão vir. O futuro de todos vai ser destruído se a destruição da Amazônia e do Cerrado continuar.

O fato de um trem soltar menos fumaça do que uma frota de caminhões não significa que a Ferrogrão seja boa. Se tivessem feito estudos direito e ouvido os povos e as comunidades afetadas, vocês talvez soubessem disso. Pois saibam: nós não vamos aceitar que a soja e o milho engulam ainda mais os nossos territórios. Não vamos permitir que a Ferrogrão faça ainda mais mal para a natureza para dar mais dinheiro para empresas estrangeiras. Nós já sofremos demais e isso tem que parar. Você e sua empresa podem escolher estar do lado certo da história e em linha com os princípios do Instituto Terra do qual você é vice-presidente do conselho diretor. Pense em nós, e pense nos seus filhos, nos seus netos e na saúde do planeta.

Assinam esta Carta:

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB)
Associação das Comunidades de Montanha e Mangabal
Associação Iakiô
Associação Pariri
Coletivo de Mulheres Indígenas As Karuana
Comissão Pastoral da Terra – Itaituba
Comissão Pastoral da Terra – Regional Pará
Conselho Indígena Munduruku do Planalto
Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA)
Conselho Indígena Tupinambá do Baixo Tapajós, Amazônia (CITUPI)
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago Grande (FEAGLE)
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS)
Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT)
Guardiões do Bem Viver
Instituto Kabu
Instituto Raoni
Movimento Tapajós Vivo
Movimento Xingu Vivo para Sempre
Rede Agroecológica Trairão
Rede Xingu+
Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santarém

Edição: Carlos Henrique Silva (Comunicação CPT Nacional) e equipe CPT Itaituba/PA

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