Um olhar sobre a expansão dos parques eólicos no semiárido brasileiro

Avanço da energia renovável pode reproduzir e intensificar desigualdades e processos de exploração já existentes

Walisson Rodrigues*, Brasil de Fato

O Brasil alcançou um marco significativo na expansão de energia renovável com os 890 parques eólicos já instalados este ano, somando 25,04 gigawatts (GW) de capacidade instalada em operação comercial. Esses parques beneficiam aproximadamente 108,7 milhões de habitantes e 85% desses parques estão na região Nordeste do país.

De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), até 2028, o Brasil deve atingir 44,78 GW de capacidade instalada de energia eólica, representando 13,2% da matriz energética nacional e 20% da geração de energia necessária para o país.

Nossa matriz energética é predominantemente renovável, aproveitando a abundância de recursos naturais como a água, o sol e os ventos. No entanto, o nosso modelo energético permanece arcaico e violento, refletindo práticas obsoletas que priorizam grandes projetos centralizados e a exploração intensiva dos territórios, muitas vezes em detrimento das comunidades locais e do meio ambiente. Essa abordagem gera conflitos sociais e impactos ambientais significativos.

Marcos Souza, membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), explica que “a instalação desses complexos pode causar degradação do solo, contaminação dos recursos naturais e modificação das paisagens, muitas vezes promovendo a privatização dos recursos naturais e resultando em conflitos e violência no campo”.

A expansão desses parques eólicos também tem suas contradições. A crescente exploração dos recursos naturais pelo sistema capitalista não só degrada o meio ambiente, como também impacta profundamente os fluxos de energia, impondo uma nova configuração global para a absorção de excedentes, especialmente sob a influência do capital internacional.

Marcos Souza também chama atenção para a desigualdade no abastecimento elétrico. “Algumas comunidades na região, próximas a parques eólicos, não têm acesso à energia elétrica ou só obtiveram eletricidade após anos de espera, enquanto a energia produzida naquele território é destinada a outros locais”, diz o coordenador do MAB.

Também é importante considerar a dependência econômica do capital externo. “A maioria dos empreendimentos eólicos no Nordeste está sob controle estrangeiro, o que significa que os lucros gerados são exportados e não revertidos nas comunidades locais que são diretamente impactadas por esse processo”, diz Souza.

Esse processo impõe o despojamento das populações rurais de suas terras, um fenômeno descrito como acumulação por despossessão. As populações atingidas são transformadas em rentistas, enquanto as terras se tornam ativos financeiros, contribuindo para uma nova reconcentração fundiária.

O processo de financeirização do capitalismo utiliza o estoque de terra como lastro para a formação de títulos vinculados a obrigações futuras, que são transacionados no mercado de valores mobiliários. Esse mecanismo busca autovalorizar tanto a renda da terra quanto o capital em geral, criando um ciclo de enriquecimento para poucos e despossessão para muitos.

O agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), João do Vale, explica como esse processo ocorre no município de Caetés, no Agreste de Pernambuco. “No momento de fazer o contrato com os agricultores, as empresas prometem coisas que não acontecem”, conta.

“Dizem que vão construir postos de saúde, que vai gerar emprego, que os aerogeradores não fazem barulho, que não prejudicam ninguém, nem o roçado, nem os animais. Os agricultores se empolgam e assinam contratos que deixam a terra por 30 anos nas mãos das empresas”, completa Vale.

Este cenário é especialmente evidente na expansão dos parques eólicos no semiárido brasileiro. As consequências ambientais, econômicas e sociais da instalação de complexos eólicos na região são significativas, afetando as comunidades locais e o meio ambiente.

Além do barulho, as torres eólicas alteram a vegetação, destroem a flora e causam a morte de animais. “Todos os camponeses dizem que, depois das torres, as vacas passaram a produzir menos leite e as galinhas a botar menos ovos”, diz o agente da CPT.

Na saúde humana, podem provocar zumbido nos ouvidos, medo e depressão. “As pessoas não conseguem dormir, causando ansiedade crônica, depressão e síndrome do pânico. Em casas relativamente próximas às torres, de 200 metros de distância até 1,5 quilômetro, o barulho é muito alto, o que gera uma série de adoecimentos”, conta João do Vale. “É difícil encontrar uma casa onde as pessoas não tomem medicação para dormir”, informa.

No litoral, a ampla ocupação desses sistemas ambientais causa a fragmentação, impermeabilização e desmatamento dos campos de dunas e do ecossistema manguezal. Esse processo gera sérias preocupações sobre como essas alterações afetam o modo de vida dos quilombolas, camponeses e povos indígenas, resultando em violações de direitos e injustiças ambientais.

As empresas que entram nos territórios das comunidades prejudicam seu modo de vida e subsistência, pois as populações dependem do próprio território para se manterem, utilizando áreas para extrativismo vegetal ou plantações. Rios e estuários são desviados, prejudicando a catação de caranguejos e mariscos, afetando a sobrevivência dessas populações.

Frequentemente apontada pelas empresas como um benefício, a suposta geração de empregos é, na prática, uma oferta de subempregos, pois a maioria dos postos nas usinas requer conhecimento especializado. Esse fenômeno é conhecido como “filhos dos ventos”, referindo-se à geração que cresce sob a influência dos complexos eólicos, mas sem acesso real aos benefícios prometidos.

A expansão das energias renováveis, apesar de ser uma resposta às necessidades energéticas globais, pode reproduzir e intensificar desigualdades e processos de exploração existentes. Os impactos ambientais, econômicos e sociais da instalação de complexos eólicos no semiárido brasileiro destacam a necessidade de um olhar crítico sobre a forma como o desenvolvimento sustentável é implementado, garantindo que ele não ocorra à custa das comunidades locais e do meio ambiente.

“Não podemos chamar essas energias de ‘limpas’ se estão impactando negativamente os territórios tradicionais, desmatando a Caatinga, adoecendo populações, forçando famílias camponesas a abandonarem suas terras e degradando o solo e o ambiente”, diz o dirigente do MAB. “Para ser verdadeiramente sustentável, é necessário repensar as práticas de implementação. Uma solução verdadeiramente sustentável, só com uma transição energética soberana e popular”, completa Marcos Souza.

O problema das usinas eólicas no Brasil não se resume à energia em si, mas ao modelo de implementação. Enquanto na Europa há legislações rigorosas para instalação de complexos eólicos, no Brasil as empresas do setor frequentemente adotam práticas similares às do agronegócio, utilizando métodos violentos de acumulação de terras.

Essa abordagem causa conflitos com comunidades locais e gera impactos ambientais negativos, refletindo a falta de uma regulamentação adequada e de um planejamento sustentável no país.

Com a privatização do setor energético, o controle das empresas passou para as mãos do capital internacional. Agora é esse capital que toma as decisões finais. Embora o Brasil seja soberano em termos de produção de energia elétrica, a energia gerada não beneficia diretamente o povo brasileiro, mas sim os interesses do capital estrangeiro. A energia no Brasil hoje é tratada como uma mercadoria comum, vendida a preços internacionais. Quem arca com os altos custos são os brasileiros, que enfrentam tarifas elevadas.

É essencial defender que a riqueza gerada pela energia sirva ao povo brasileiro em vez de atender às demandas dos acionistas internacionais. Para isso, precisamos de controle popular, onde a população possa determinar como a energia deve ser produzida, avaliar a viabilidade de novos empreendimentos energéticos e, caso identifiquem impactos sociais e ambientais negativos, ter o poder de dizer não.

* Wallison Rodrigues é cientista social, especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo Contemporâneo.

Edição: Vinícius Sobreira

Foto: Daniel Correia

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