Medida evidencia apoio governamental na facilitação do avanço da mineração predatória sobre os territórios tradicionais, aponta nota.
Organizações sociais e movimentos populares manifestaram repúdio ao Decreto 48.893/2024, que dispõe sobre a Consulta Livre, Prévia e Informada. Assinado pelo Governador Romeu Zema (Novo) a medida altera o direito assegurado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário. O Decreto foi publicado no Diário Oficial de Minas Gerais no dia 12 de setembro.
O direito de consulta prévia determina que povos e comunidades tradicionais devem ser previamente consultado, de modo livre e com garantia de informações acessíveis e qualificadas sobre qualquer iniciativa – legislativa, administrativa ou do mercado – que afete seus territórios ou modos de vida, como leis, políticas públicas, rodovias ou mineração, entre outros.
Reconhecido como “um ato perverso de ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da Natureza” pelas organizações, o Decreto restringe o direito de consulta às comunidades e povos tradicionais à um conjunto de condicionantes e garante maior poder às empresas. “O Decreto em si já é uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada”, diz um trecho da nota. A Terra de Direitos assina a nota.
Não é a primeira vez que o estado de Minas Gerais busca regulamentar o direito de consulta prévia. Em abril de 2022 foi publicada a Resolução Conjunta da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) e da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) nº 01, de 4 de abril de 2022. Fortemente criticada por facilitar o estabelecimento de empreendimentos nos territórios tradicionais do estado, atendendo aos interesses de empresas do ramo da mineração, agronegócio, entre outros, a Resolução foi revogada pouco mais de um ano depois
“Não se pode ignorar a relação do Decreto com o contexto atual da política do Governo Zema, no qual o Governo apoia o avanço da mineração predatória, que tem por alvo, em grande medida, explorar áreas de Territórios Tradicionais, em diversas regiões do estado”, enfatizam as organizações sobre a nova medida do governo. Os signatários da nota reivindicam imediata revogação do Decreto.
Veja a nota completa.
Carta aberta de repúdio ao Decreto 48.893/2024, do Zema, e em defesa dos direitos dos povos e comunidades tradicionais do estado de Minas Gerais
Em meio à seca histórica e às fumaças que cobrem os céus do Brasil, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, em mais um ato perverso de ataque aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais e da Natureza, publicou, no dia 11 de setembro de 2024, o Decreto nº 48.893/2024, que viola o direito dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-fé, e, favorece o avanço dos grandes projetos do capital que causam morte e devastação nos territórios tradicionais e compromete as condições de vida de toda a sociedade e da biodiversidade. O Decreto em si já é uma aberração jurídica, uma vez que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) não precisa de regulamentação para ser plenamente aplicada. Um Decreto semelhante a este editado pelo Governador do Pará já foi anulado.
Desde 2003, quando entrou em vigor no Brasil o Tratado Internacional da Convenção 169 da OIT, suas disposições são obrigatórias e nenhum órgão governamental pode descumpri-la ou limitar os direitos nela abarcados. Além disso, não houve nenhuma participação ou consulta às Comunidades, violando o artigo 6° da mencionada Convenção. O teor deste decreto é praticamente o mesmo da Resolução Conjunta SEDESE/SEMAD Nº 1, de 4 de abril de 2022, que foi revogada, após muita pressão dos Movimentos Sociais, Povos e Comunidades Tradicionais. Este Decreto eivado de ilegalidades e de inconstitucionalidades busca amordaçar e aniquilar os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais protegidos pela Convenção 169 da OIT.
Destacamos outros pontos críticos e inaceitáveis do Decreto:
1. Limita o direito à Consulta Prévia somente aos Povos Indígenas, Comunidades Quilombolas e Comunidades e Povos Tradicionais certificadas, pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Fundação Cultural Palmares ou pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de MG. De forma similar, cria nova definição de territórios tradicionais condicionada à sua efetiva titulação e reconhecimento pelo Estado, violando mais uma vez o direito à autodeterminação dos Povos e Comunidades Tradicionais.
2. Nega o direito de Consulta às Comunidades e Povos Tradicionais, cujos Territórios estejam localizados em áreas urbanas consolidadas. Isso afeta diretamente centenas de comunidades localizadas em zonas urbanas, como Povos de Terreiro, Indígenas em situação urbana, Acampamentos Ciganos e Comunidades Carroceiras. Particularmente, esse aspecto do Decreto favorece o avanço do licenciamento do Rodoanel (o famigerado Rodominério!) na Região Metropolitana de Belo Horizonte, afetando imediatamente o direito e os territórios de centenas de comunidades.
3. Transfere às empresas a responsabilidade de realização da Consulta, no caso de projetos da iniciativa privada. Além de ser uma grave violação ao que determina a Convenção 169, isto poderá aumentar ainda mais a violência e assédio das empresas sobre os territórios.
4. O Decreto também condiciona a exigência da realização de Consulta às situações em que os territórios estejam no máximo a 3 Km de distância dos empreendimentos, ignorando os impactos sistêmicos e difusos dos empreendimentos, seja pela circulação e fluxos do ar, das águas e das espécies nos territórios.
Não se pode ignorar a relação do Decreto com o contexto atual da política do Governo Zema, no qual o Governo apoia o avanço da mineração predatória, que tem por alvo, em grande medida, explorar áreas de Territórios Tradicionais, em diversas regiões do estado. Este Decreto é para “passar a boiada”.
Diante de tantas violações, reafirmamos nosso compromisso em garantir que os Povos e Comunidades Tradicionais tenham acesso à informação e possam participar ativamente dos processos que impactam seus modos de vida e exigimos a imediata revogação do Decreto Nº 48.893/2024, garantindo de forma plena o Direito das Comunidades e Povos Tradicionais à sua autodeterminação. Neste momento, em que a “terra geme em dores de parto” (Cf. Rm 8,22), é urgente avançarmos nas lutas concretas nos territórios, em defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais e de todos os seres vivos que formam a comunidade que nutre nossa mãe Terra. Portanto, é absurdo um Decreto como este em tempos de Emergência Climática. As sirenes dos eventos extremos estão gritando de forma estridente.
Revogação e Anulação do Decreto 48.893/2024, JÁ!
Apelamos a todas as autoridades compromisso com a derrubada deste brutal Decreto.
Assinam esta carta:
Comissão Pastoral da Terra – Minas Gerais (CPT/MG)
Conselho Pastoral dos Pescadores – Minas Gerais (CPP/MG)
Pastoral da Juventude Rural – Minas Gerais (PJR)
Conselho Indigenista Missionário – Regional Leste (CIMI)
Cáritas Brasileira –Regional Minas Gerais
Rede Igrejas e Mineração – Minas Gerais
Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES)
Irmãs Franciscanas Missionárias Diocesanas da Encarnação
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES)
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (SINFRAJUPE)
Sociedade Brasileira de Etnobiologia eEtnoecologia
Grupo de Pesquisa de Educação Popular PluriEtnoDecolonial-UNIMONTES
Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrários – UNIMONTES}
Observatório dos Vales e do Semiárido Mineiro – UFVJM
Observatório Fundiário do Vale do Jequitinhonha – UEMG Diamantina
Kaipora-Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG Ibirité
Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Campo (MTC)
Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/MG)
Movimento de Ressurgência Purí-MRP Serra dos Purí
Povos e Comunidades Tradicionais de Religião Ancestral de Matriz Africana (PCTRAMA)
Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAI)
Terra de Direitos
“Escola” de Direito Agrariambientale da Jusdiversidade–Montes Claros
Legião de Assistência Recuperadora -LAR
Setor Ambiental do vicariato Episcopal para ação social, política e ambiental da Arquidiocese de Belo Horizonte – VEASPAM
Saberes do Território, organização da sociedade civil para salvaguarda da sociobiodiversidade na região dos Inconfidentes
FONSANPOTMA
Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME
Coletivo de Implantação do Campus Quilombo Minas Novas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais – IFNMG
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Imagem: Apanhadora de flores sempre-vivas, um dos povos tradicionais de Minas Gerais e que devem ser afetados pelo Decreto do governo. Foto: Maria Eugenia Trombini