Estado de MG, União e Funai terão que adotar medidas de reparação por danos aos indígenas durante o regime militar
Em decisão unânime, o Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) manteve a sentença que obriga a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) a concluir a demarcação da Terra Indígena Krenak de Sete Salões, localizada em Minas Gerais, no prazo de seis meses. A sentença da primeira instância da Justiça Federal havia atendido aos pedidos de uma ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal (MPF) para demarcação de um novo território para o povo Krenak e adoção de diversas medidas de reparação aos indígenas, mas estava suspensa após recursos da Funai, estado de Minas Gerais e União, que são réus no processo.
De acordo com a ação proposta pelo MPF, o povo Krenak sofreu graves violações de direitos humanos durante o regime militar, além de desintegração cultural, e foram expulsos de seu território original, localizado em Resplendor (MG). Entre 1969 e 1972, os indígenas foram deslocados de suas terras por desapropriações indevidas e levados à força para o “Reformatório Krenak”, instalado em seu território, onde aqueles que resistiam à perda da terra eram internados e submetidos a todo tipo de violência, inclusive torturas e assassinatos. Posteriormente, sofreram o deslocamento forçado para a Fazenda Guarani, também em Minas Gerais, onde continuaram as violações aos seus direitos.
Na nova decisão, o TRF6 negou todas as apelações e manteve integralmente a sentença da primeira instância, derrubando o efeito suspensivo que impedia seu cumprimento. O tribunal também determinou que os réus cumpram todas as medidas impostas pela condenação, que incluem reparação ambiental e ações para preservação da língua e cultura Krenak, a serem implementadas pela Funai e Estado de Minas Gerais, como registro, ensino e transmissão da língua Krenak e a implantação e ampliação do Programa de Educação Escolar Indígena.
Além disso, a sentença condenatória determinou a realização de cerimônia pública de reconhecimento e pedido de desculpas, a ser realizada pelos três réus, em 6 meses, com ampla divulgação na mídia e canais oficiais. A União também terá que disponibilizar documentos sobre violações de direitos, no mesmo prazo.
A sentença contém, ainda, a responsabilização dos réus por violações de direitos indígenas, tendo sido reconhecida a relação jurídica entre Manoel dos Santos Pinheiro (ex-capitão da PMMG) e União, Funai e estado de Minas Gerais. Ele atuou como agente público responsável por violações, incluindo: Criação da Guarda Rural Indígena, administração do Reformatório Krenak, Transferência forçada de indígenas para a Fazenda Guarani (Carmésia/MG). O recurso do estado de Minas Gerais, que tentava negar a responsabilidade do ex-capitão da Polícia Militar (PMMG) Manoel dos Santos Pinheiro em ações relacionadas ao caso, não foi aceito na decisão do TRF6.
O relator do processo no TRF6, desembargador federal Prado de Vasconcelos, afirmou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) considera os danos decorrentes de perseguição política durante o regime militar imprescritível, no que se refere ao reconhecimento da relação jurídica entre o réu Manoel dos Santos Pinheiro e a União, a Funai e o Estado de Minas Gerais, por vincular-se ao direito fundamental à memória e à verdade.
Importância da decisão – Para o procurador da República Edmundo Antonio Dias, responsável pelo inquérito civil que resultou no ajuizamento da ação civil pública, em 2015, “a vitória do Povo Krenak é uma vitória de todos os povos indígenas e, também, uma conquista importantíssima de toda a sociedade brasileira. Pois o conjunto de medidas de justiça de transição, que foram mantidas pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região, representa o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de um passado prenhe de graves violações aos direitos humanos durante um período sombrio de nossa história. E esse reconhecimento é essencial para que nosso passado autoritário nunca mais aconteça”, destacou.
O procurador regional da República Eduardo Morato Fonseca, que representou o MPF durante o julgamento no TRF6, classificou a decisão como um marco para os direitos dos povos originários. “Foi uma decisão importantíssima, um marco histórico na luta do MPF em prol de direitos de minorias étnicas, especialmente dos indígenas Krenak. Também foi a primeira ação civil pública na jurisdição do TRF6 em que foram propostas medidas de reparação com base nos postulados da justiça de transição. A condenação se traduz em importante reparação às minorias vitimadas com atos cruéis e desumanos narrados na ação, bem como para a sociedade inteira, pois trazer esses fatos à memória é fundamental para a depuração e a própria cura de uma sociedade que pretende trilhar um processo de consolidação de suas bases e instituições democráticas”, concluiu.
Violações de direitos – Os Krenak ocupavam terras situadas no município de Resplendor (MG), à margem esquerda do rio Doce. Durante a ditadura militar, a Ruralminas, uma fundação pública do estado, outorgou as terras dos indígenas a fazendeiros, que foram se apropriando indevidamente de glebas naquela região.
Na ação, o MPF narrou, com profusão de detalhes, três episódios principais ocorridos durante aquele período: a criação da Guarda Rural Indígena (GRIN), a instalação de um presídio chamado de “Reformatório Krenak”, e o deslocamento forçado para a fazenda Guarani, no município de Carmésia (MG), que também funcionou como centro de detenção arbitrária de indígenas.
Nesses locais, vigorou um ambiente de exceção, com trabalhos forçados, tortura, remoção compulsória e intensa desagregação social impostos ao povo Krenak. Para o Reformatório Krenak, foram enviados indígenas de mais de 15 etnias, oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país.
O relatório final da Comissão Nacional da Verdade estima que pelo menos 8.350 índios tenham sido mortos em todo o país no período investigado, além de descrever inúmeros outros abusos, como os que foram narrados nesta ação”.
Ação Civil Pública nº 64483-95.2015.4.01.3800
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Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil