Quando o segundo governo Dilma Rousseff lançou o lema “Pátria Educadora”, que considerei muito ruim na época, achei que o marqueteiro João Santana havia nos levado ao fundo do poço. A utilização do termo “pátria” em qualquer processo que remeta a uma construção simbólica junto ao público me dá calafrios por evocar um nacionalismo tosco. Daqueles utilizados por regimes autoritários a fim de promover o sentimento de amor à terra, mesmo que essa terra te torture.
Mas daí veio Michel. E, ao que tudo indica, mostrou que, no fundo do poço, tem um alçapão que dá para um mundo novo de possibilidades.
Mônica Bergamo noticiou na Folha de S.Paulo, desta quinta (12), que o slogan do governo Michel Temer será “Ordem e Progresso”.
Primeiro, vale lembrar que foi a frase presente na bandeira nacional foi exaustivamente utilizada pela última ditadura para justificar seu modelo de desenvolvimento concentrador, explorador e predatório. Sob a égide da ordem para o progresso a fim de ver o bolo crescer e nunca ser dividido, passamos por cima de trabalhadores, indígenas, ribeirinhos, quilombolas e demais comunidades tradicionais. Em um processo que, se começou na Gloriosa, atravessou os governos ditos democráticos até agora.
Ou não é trabalho escravo e a dignidade de indígenas que fluem em turbinas de certas hidrelétricas? E não é o choro de famílias pobres retiradas à força e o sangue de operários mortos que serve de argamassa para estádios de futebol e centros olímpicos?
Ao mesmo tempo em que o programa de governo do PMDB propõe a retirada de direitos de trabalhadores como uma das formas de promover o crescimento econômico e vencer a crise, seu ministro de Justiça, o ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo Alexandre de Moraes, chamou protestos contra o impeachment de “atos de guerrilha”. Aponta, dessa forma, que a possibilidade de usar a nova Lei Antiterrorismo (proposta pelo governo Dilma) para criminalizar manifestantes em desacordo com o governo.
Ou seja: Ordem e progresso.
A frase original de onde veio o lema de Michel era “o amor por princípio, a ordem como base, o progresso como fim” e foi cunhada por Augusto Comte, pai do positivismo.
Esse movimento do século 19 que esteve presente na formação da nossa República, grosso modo, defendia que o conhecimento deve vir de fenômenos reais da experiência. Sua meta era alcançar essa ordem e esse progresso sem revolução social violenta. Lembrando que o autor vivia na França pós-1789, ou seja, uma revolução atrás da outra.
Nesse contexto, a ciência (a matemática, física, a química, a biologia, a astronomia e, contrariando Geraldo Alckmin, a sociologia) é colocada no alto do pedestal da sociedade.
O positivismo não influenciou apenas a bandeira brasileira, mas também o Estado laico, o casamento civil, as liberdades individuais religiosas ou profissionais, entre outras coisas.
Contudo, a visão de Augusto Comte sobre os direitos das mulheres não era das melhores. No início, criticou a opressão a que estavam submetidas. Mas, depois, passou por um antifeminismo radical até reconhecer alguma importância delas em lutas históricas. Chegou a relacionar o que chamou de natureza “emocional” das mulheres com uma suposta inadequação de fazerem parte a vida pública.
(Ele não quis dizer exatamente “bela, recatada e do lar”. Mas se vocês pensaram nisso, não estão totalmente errados.)
Portanto, podemos acusar Michel de muita coisa – de conspirador a poeta questionável. Mas não se pode dizer que ele não é coerente.
Pois, se por um lado, escolheu uma frase positivista de Augusto Comte como o lema de seu governo.
Por outro, conseguiu a proeza de compor um ministério formado apenas de homens.
E dá-lhe proeza: se for mantido, será o primeiro ministério 100% cueca desde o ditador Ernesto Geisel.
Desprezo por mulheres? Crença na incapacidade delas de contribuírem com a vida pública? Inabilidade política de montar uma equipe diversa (e olha que nem começamos a falar de questões de cor de pele, etnia…)?
Sei lá. Leiam Auguste Comte e depois me contem.
Por isso ainda acho que “Brasil: A Zoeira Nunca Termina” seria um lema mais apropriado para o momento.
Ou, a depender do que acontecer com nossa democracia a partir de agora, resgatar o velho Brasil” Ame-o ou Deixe-o”.