Ação da Polícia Militar da Bahia resultou na morte de 12 pessoas e 6 ficaram gravemente feridas
Por PGR
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, propôs ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) incidente de deslocamento de competência (federalização) para apurar o caso conhecido como Chacina do Cabula, que teve 18 vítimas – 12 mortos e 6 gravemente feridos -, todas entre 15 e 28 anos de idade. Para Janot, ao absolver sumariamente os policiais militares envolvidos, sem permitir que o andamento normal do processo ocorresse, a Justiça Estadual não levou em conta informações importantes que poderiam levar a um resultado diferente, o que demonstra a necessidade de a Justiça Federal assumir as investigações.
Em operação realizada na noite do 5 de fevereiro e madrugada de 6 de fevereiro de 2015, nove policiais militares integrantes da Rondas Especiais da Polícia Militar da Bahia (Rodensp) entraram em um local denominado Vila Moisés, no bairro do Cabula, em Salvador (BA), e efetuaram inúmeros disparos contra um grupo de pessoas concentrado no local. De acordo com a PGR, foram 143 disparos, 88 deles certeiros, o que resulta em média de quase 10 tiros certos por acusado.
Janot destaca incongruências nas investigações e fatos que causam estranhamento. “Falta, na visão do Ministério Público, neutralidade na apuração, única forma de garantir um trabalho de qualidade e a busca da verdade real dos fatos”, diz. Segundo ele, a pretensão é “apontar a desconsideração de detalhes, depoimentos e fatos que, correlacionados às provas técnicas e examinados de forma mais acurada, poderiam levar a resultado investigatório diverso”.
Para o procurador-geral, a despeito da complexidade do caso, da sua relevância, da forma como descritos os fatos na denúncia do Ministério Público do Estado da Bahia, que já havia sido recebida, não houve tempo nem espaço no âmbito do Judiciário estadual, para instrução adequada dos autos, oitiva de testemunhas, contradição às conclusões da reprodução simulada e a diversos pontos e questões pendentes de melhor apuração e esclarecimento. “Tomou-se como fato, muito rapidamente, a linha apuratória de que o que houve foi simples resposta à agressão injusta iniciada por ‘bandidos’, absolvendo-se sumariamente os denunciados, e, além deles, até mesmo policial militar não envolvido nos fatos e não denunciado”, sustenta.
Janot aponta a rapidez com que foram absolvidos os denunciados, quando eram muitos os indícios que apontavam, possivelmente, para a ilegitimidade de sua atuação na data dos fatos em apuração. “A sentença desconsiderou absolutamente todos os elementos sobre os quais jogou luz o órgão acusatório e, fixando-se unicamente no que extraiu do inquérito, com os vícios já apontados, e, muito claramente, na ‘qualificação’ das vítimas, entendeu dispensável a produção de provas, desrespeitando decisão do juiz titular da Vara, que a havia deferido, e interrompendo o caminho natural do processo, que poderia levar o caso ao julgamento pelo Tribunal do Júri”.
Requisitos para o deslocamento – O deslocamento de competência é possível considerando-se os requisitos de grave violação de direitos humanos, o risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações assumidas em tratados internacionais e a evidência de que órgãos do sistema estadual não mostram condições de seguir no desempenho da função de apuração, processamento e julgamento do caso.
Para Janot, o caso em análise “traz indícios fortes – que merecem apuração adequada – de que agentes do Estado promoveram verdadeira execução, sem chance de defesa das vítimas, o que configura hipótese de grave violação de direitos humanos, a exigir pronta atuação dos poderes constituídos do Estado brasileiro, especialmente no âmbito da União, no sentido de restaurar o Estado de Direito na região”.
Por fim, conclui sublinhando que o caso não é de ineficácia, por inércia, da atuação da polícia, mas de condução viciada, com evidências de tendenciosidade por órgão responsável pelas investigações. “Houve parcialidade ou, ao menos, complacência com apurações favoráveis aos agentes da polícia, com indícios de que partiram com ponto de destino certo, não sem se desqualificar as vítimas, seja no curso do trabalho de apuração, seja na sentença”, comenta.
Impacto internacional – No pedido, o procurador-geral destaca que o caso foi tema de representação formulada pela ONG Justiça Global à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com relato das recorrentes ameaças sofridas pelos integrantes da campanha Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, conhecida por sua atuação contra a violência policial no Estado da Bahia.
O procurador-geral ainda argumenta que os fatos em exame podem gerar a responsabilização do Brasil nos foros internacionais de proteção dos direitos humanos. “O risco é real e iminente, na visão da Procuradoria-Geral da República”, afirma.
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Imagem: Local onde ocorreu a chacina do Cabula, em Salvador (BA). Foto: Rafael Bonifácio/Ponte Jornalismo.