Por Marcelo de Carvalho Barros, no Justificando
No estilo Eliot Ness, retratado no filme Os Intocáveis (1987), que era somente um agente do Tesouro americano, o Ministério Público Federal parece querer reeditar o constitucionalmente impublicável: o Estado de Exceção.
No Brasil, sorte a nossa, o órgão do Parquet tem uma função completamente distinta da conferida à promotoria pública americana. Enquanto lá a promotoria somente age se tiver um caso, ou seja, se houverem provas relevantes – sob pena de inexistência de persecução criminal in judicio – aqui o MP age em qualquer hipótese, seja para requerer o arquivamento de eventual inquérito policial, seja para pedir a instauração de ação penal.
Vamos combinar que, muito embora não raro olvidada, a função mais nobre de nosso Ministério Público é a de guardião da legalidade, sobretudo da constituição e de seus consectários princípios fundamentais, notadamente, pasmem, a presunção de inocência e a liberdade, dentre tantos outros afetos a um Estado Democrático de Direito.
Ao invés, o Ministério Público tem se eximido dessa nobre função, agindo de forma policialesca, como se mero condutor de Inquéritos Policias fosse, buscando, inclusive, cercear as garantias constitucionais que foram conquistadas a duras penas e insertas na Constituição de 1988.
Lembro de um filme, protagonizado por James Woods, Justiça Corrupta (1989),em que um traficante é inocentado pelo juiz somente pelo fato de não haver um mandado de busca residencial quando da apreensão da droga.
Nos Estados Unidos, as garantias fundamentais são coisa séria, bastando lembrar a reação popular após o 11 de setembro, quando o Estado americano buscou diminuí-las sob o argumento de combate ao terrorismo.
No Brasil, na contramão da história, o guardião das garantias fundamentais quer suprimi-las, sob o argumento genérico de combate à corrupção.
Ainda mais, e o que é pior, se utiliza de expedientes nada republicanos para impor seus desejos mais íntimos e casuísticos, como o de fazer de uma proposta gestada em seu interior um Projeto de Lei de Iniciativa Popular e ameaçar abrir mão das investigações caso as 10 medidas anticorrupção não sejam aprovadas, utilizando-se da mídia irresponsável na busca de apoio popular.
Ora, o Ministério Público está a serviço de quem, da sociedade – os jurisdicionados que pagam seus salários – ou de suas próprias razões casuísticas?
Acredito que este não seja o entendimento institucional do Parquet, mas somente de alguns que, por essa exposição midiática extrema, aliada a uma imprensa sem compromisso com a democracia, buscam garantir seus 5 minutos de fama diários.
Não vejo o combate à corrupção como uma atividade menor, muito ao contrário, é fundamental para nossa sociedade, mas sob o pálio de proceder a essa difícil tarefa não se podem ver subsumidos os direitos fundamentais que conquistamos.
No momento atual, a verdade é que se cassa Presidente da República eleito sem fundamentação jurídica, e o próprio STF – este sim que deveria ser o guardião máximo da constituição – afasta o Presidente do Senado por apenas ter sido denunciado em processo de 1º grau, sendo que, legalmente, e em óbvio contrassenso, os que são processados criminalmente e não tenham sido condenados em decisão de 2º grau podem concorrer a quaisquer cargos políticos.
Ainda mais, o judiciário tem legislado ao sabor da opinião pública, usurpando a competência do legislativo, que também tem sido encurralado pela mídia, somente se insurgindo, este último, contra algumas das 10 medidas anticorrupção (desmedidas como bem diz o Justificando). A situação é de flagrante insegurança jurídica.
Não sei qual a lógica político-jurídica que pode ser defendida para suprimir garantias constitucionais como buscam fazer em nosso País. Acho que nenhuma!
O Poder Judiciário, e também o Ministério Público, precisam observar que o momento atual é um pingo d’água se pensarmos em uma perspectiva histórica.
A herança que ficará destes tristes momentos, de suposto combate à corrupção, por certo será maldita e a história, com sua vetusta sabedoria, saberá julgar os fatos como a aberração jurídica que em verdade os caracteriza.
O poema No Caminho com Maiakovski, de Eduardo Alves da Costa, diz que se deixarmos o autoritarismo começar a se instalar, em pouco tempo não poderemos dizer mais nada, pois não teremos mais voz, somente medo. A hora de lutar pelas garantias fundamentais é esta!
*Marcelo de Carvalho Barros é bacharel em Direito (1993) e Ciências Sociais (1996), Sociólogo, Advogado militante na área criminal, Assessor Jurídico de diversos órgãos públicos.