Responsável por projeto no Alto Camaquã, Embrapa defende debate sobre instalação de mineradora

Por Jaqueline Silveira, no Sul21

Responsável por desenvolver um projeto baseado na produção sustentável às margens do Rio Camaquã, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se manifestou sobre a possibilidade de instalação de uma mineradora na região para extração de chumbo, cobre e zinco, que tem gerado polêmica na região. O empreendimento da Votorantim Metais Holding e da canadense Iamgold Brasil está previsto para o território das Guaritas, na Vila de Minas do Camaquã, a 90 quilômetros do núcleo urbano de Caçapava do Sul e no limite dos municípios de Bagé, Pinheiro Machado e Santana da Boa Vista. Por meio de nota (confira abaixo a íntegra), a Embrapa Pecuária Sul afirma que o debate acerca do assunto “é fundamental para o desenvolvimento sustentável da região”.

A instalação da mineradora opõe moradores dos municípios do Alto Camaquã, bem como modelos de desenvolvimento para o Estado. O projeto de desenvolvimento regional com enfoque territorial foi implantado há 10 anos na região do Alto Camaquã pela Embrapa Pecuária Sul, que investiu recursos tanto financeiros quanto humanos, e hoje beneficia milhares de famílias que investem numa produção diferenciada graças às peculiaridades da Serra do Sudeste, e exatamente na área mais preservada do Bioma Pampa. Já o empreendimento da Votorantim está alicerçado somente no aspecto econômico, pela geração de 450 empregos por 20 anos, prazo máximo que a mineradora funcionará na região até o esgotamento das riquezas.

Há 10 anos, Embrapa desenvolve projeto baseado na agropecuária familiar e produção sustentável, beneficiando milhares de famílias | Foto: Site Alto Camaquã

A partir da iniciativa implantada pela Embrapa junto aos produtores, surgiu, inclusive, a Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), que, por sua vez, organizou uma rede de produtores e empreendedores (ReAc) e, ainda, administra a marca coletiva Alto Camaquã, com cerca de 30 produtos. Só a ADAC já congrega cerca de 500 famílias e 25 associações, sendo que outras centenas ainda não fazem parte dela, mas integram o projeto da Embrapa. “O projeto está baseado em premissas de desenvolvimento sustentável, da transição agroecológica, da conservação e uso eficiente dos recursos naturais, do reconhecimento dos aspectos históricos e culturais das comunidades e produtores locais, buscando a valorização e a diferenciação dos produtos da pecuária familiar”, destaca um trecho da nota. A manifestação da Embrapa Pecuária Sul ressalta ainda que a iniciativa no Alto Camaquã, que reúne oito municípios, recebeu o reconhecimento nacional e internacional pelos resultados obtidos.

Sobre o empreendimento na região, a Embrapa esclarece que a instituição não faz avaliações “ou estudos sobre impacto de atividades econômicas extrativistas e industriais de qualquer natureza”. O trabalho da instituição, segundo a nota, avalia “o impacto das tecnologias em relação às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas cadeias de pecuária de corte e de lei”.

Produção ameaçada

O temor da população é que a produção sustentável e fonte de renda das famílias seja desvalorizada por conta da contaminação, principalmente por chumbo, que tem potencial tão danoso quanto ao do mercúrio. Além da qualidade dos produtos do Alto Camaquã, a região é rica em belezas naturais, estimulando o turismo sustentável. O território das Guaritas, onde a mineradora pretende se instalar, foi, inclusive, declarado pela Secretaria Estadual de Turismo uma das Sete Maravilhas do Estado. O incentivo a essa atividade conservativa, aliás, vai ao encontro da proposta da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) que definiu 2017 como o Ano Internacional de Turismo Sustentável para o Desenvolvimento. A iniciativa tem por objetivo avançar a contribuição do turismo para os três pilares da sustentabilidade: econômico, social e ambiental.

O território das Guaritas é um dos 21 reconhecidos pela WFMA – World Famous Mountain Association, associação internacional apoiada pela Unesco. As “Camaqua Highlands” foram aceitas em 2010, por proposição do Banco Mundial, sendo que apenas 21 territórios montanhosos no mundo todo fazem parte da WFMA porque a adoção de princípios de desenvolvimento sustentável é condição necessária para o reconhecimento e ingresso na entidade. Esse ingresso foi tão significativo, que fez parte do Balanço Social da Embrapa Nacional do ano de 2010.

Audiências públicas

No mês de novembro, foram realizadas três audiências públicas em Santana da Boa Vista, Bagé e Pinheiro Machado para ouvir os moradores que também serão atingidos pelos impactos da mineradora, mas tinham sido excluídos da consulta. Boa parte da população se manifestou contrária ao empreendimento, principalmente as comunidades de Bagé e Pinheiro Machado e municípios arredores, como Piratini, Candiota e São Lourenço do Sul, por entender que a mineradora tratará prejuízos à produção sustentável e à preservação natural da região. Representantes da Votorantim afirmaram nas audiências que serão tomadas todas as providências para evitar a contaminação, ao mesmo tempo em que admitiram que todo empreendimento tem impacto ambiental. O projeto está em fase de licenciamento prévio.

Excluídas inicialmente da consulta sobre a mineradora, as comunidades de Santana da Boa Vista, Bagé (foto) e Pinheiro Machado foram ouvidas em novembro

Comunidade mobilizada

Enquanto a Fundação de Proteção Ambiental (Fepam) avalia as contribuições das audiências públicas e sugestões recebidas e os Ministérios Públicos Estadual e Federal fazem reuniões com órgãos ligados ao tema e aguardam a resposta aos questionamentos feitos à Votorantim, a população contrária ao Projeto Caçapava do Sul continua com ações de mobilização.

Na última segunda-feira (5), representantes do movimento Frente de Autodefesa do Camaquã se reuniram com o deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT), em Bagé, com o fim de traçar estratégias para alertar à população sobre os “riscos ambientais” da instalação da mineradora.

No encontro, foram apresentadas algumas sugestões, como uma audiência pública promovida pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa e “uma descida alternativa” pelo Rio Camaquã com a participação de jornalistas, artistas e moradores, para elaboração de um documentário. Também foi sugerido um roteiro pelos municípios que integram a Bacia do Rio Camaquã. Uma nova reunião deverá ocorrer no dia 22 ou 23 de dezembro para definir as ações.

Confira a nota da Embrapa Pecuária Sul na íntegra:

O projeto de instalação de uma mineradora na região do Alto Camaquã, Serra do Sudeste do RS, tem suscitado importantes debates na sociedade, e a Embrapa Pecuária Sul entende que esse tipo de discussão é fundamental para o desenvolvimento sustentável da região. Sobre esse assunto, informamos que a Embrapa Pecuária Sul não executa avaliações ou estudos de impacto de atividades econômicas extrativistas e industriais de qualquer natureza. Ela apenas avalia impactos de tecnologias referentes a suas atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação nas cadeias de pecuária de corte e de leite. Os dados coletados na região do Alto Camaquã, Serra do Sudeste do RS, frutos de nossas pesquisas, são específicos e não podem ser relacionados a riscos potenciais de contaminações e danos ambientais de qualquer natureza.

SOBRE A ATUAÇÃO DA EMBRAPA NA REGIÃO – A Embrapa Pecuária Sul mantém, há 11 anos, um projeto de desenvolvimento territorial na região do Alto Camaquã, na Serra do Sudeste do Rio Grande do Sul. Trata-se de atividade que mereceu reconhecimento nacional e internacional pelos resultados alcançados. O projeto está baseado em premissas de desenvolvimento sustentável, da transição agroecológica, da conservação e uso eficiente dos recursos naturais, do reconhecimento dos aspectos históricos e culturais das comunidades e produtores locais, buscando a valorização e a diferenciação dos produtos da pecuária familiar.

A Embrapa Pecuária Sul realizou vários outros trabalhos de pesquisa e transferência de tecnologia no Alto Camaquã. Podem ser citadas ações nas áreas de melhoramento genético animal, manejo do campo nativo e dos solos, produção de bovinos e ovinos e ciência da carne. Essas pesquisas produziram resultados relevantes para a região, como práticas agronômicas, o desenvolvimento de uma marca coletiva para a carne de cordeiro, organização de um arranjo produtivo local em ovinocultura, desenvolvimento de metodologias participativas para a transferência de tecnologias e outros.

A experiência da Embrapa Pecuária Sul na região faz destacar a importância da valorização da pecuária local a partir do correto uso dos recursos naturais, especialmente do campo nativo, e dos produtos oriundos de sistemas de produção sustentáveis. Como unidade da Embrapa, continuaremos apoiando a região do Alto Camaquã com o desenvolvimento e a transferência de tecnologias e conhecimentos para promover a produção sustentável da pecuária, tal como preconiza a missão desta instituição.

Imagem: O território das Guaritas, onde mineradora pretende se instalar, é uma das Sete Maravilhas do Estado|Foto: Site Alto Camaquã

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