E se João Victor fosse João Hélio?

Por Marco Aurélio Barreto Lima*, no Justificando

Morreu João Victor.

Aos 13 anos, o brilho nos olhos se apagava para sempre. Fora brutalmente assassinado, sem causa ou motivo senão a pobreza e a fome. Os algozes? Funcionários de uma das lojas da rede de fast-food Habib’s.

Às 17 horas, 58 minutos e 35 segundos desse domingo (26) era arrastado pelas ruas da Zona Norte de São Paulo pelo segurança e o gerente do estabelecimento comercial, como “coisa”, como “nada”. No caminho, perdeu não apenas os chinelos gastos e as roupas esfarrapadas: perdeu a dignidade, a esperança, os sonhos, a dor; a vida.

João Victor não cometeu nenhum crime. Costumava pedir esmolas nos arredores da loja, tentava, ainda tão jovem, garantir o dinheiro para comer dia após dia. Vítima da pobreza, do descaso do Estado e de um sistema falido e excludente, como tantos outros Joãos no Brasil, conheceu a lei e o direito apenas pelo cassetete da Polícia.

Como ele, há 10 anos e também em fevereiro, morria vítima de uma brutal violência o menino João Hélio: arrastado pelo lado de fora do carro de seus pais, preso pelo cinto de segurança depois de um assalto no Rio de Janeiro, sofreu por 7 quilômetros aos 6 anos de vida.

A crueldade acompanha os dois casos, mas existem diferenças gritantes entre eles:

– Apenas dezoito horas após o assalto que resultou na morte de J. Hélio, a Polícia Militar começou as prisões dos envolvidos;

– Para J. Victor, o registro do crime ocorreu apenas às 4h da manhã do dia seguinte e as investigações tiveram início somente três dias depois, nesta quarta-feira;

– A morte de Hélio foi assunto em todos os veículos de mídia, estampou a capa dos maiores jornais de circulação e foi tema de todo um bloco do programa Fantástico;

– Já a morte de Victor não foi mais do que reportada por coletivos de mídia e revistas eletrônicas de médio alcance;

– No Rio, foram criadas praças e parques em homenagem a João Hélio. A ONU declarou pesar pela morte e no Carnaval seu nome foi lembrado pelas escolas de samba durante os desfiles;

– Em São Paulo, um protesto pedindo justiça pela morte de João Victor contou com algumas centenas de pessoas.

– João Hélio era rico. João Victor era pobre.

É notável a discrepância de tratamento por parte da Polícia, da mídia e da sociedade como um todo na atenção dispendida aos dois crimes, o que demonstra, com uma clareza indiscutível, a distinção entre pobres e ricos, pretos e brancos e evidencia que, no Brasil, uma vida vale menos que a outra.

João Victor foi punido por ser pobre e agora sua família amarga a inércia do Estado em apurar os fatos. O mesmo Estado que nunca estendeu à mão senão para bater, agora parece garantir a impunidade de quem lhes tirou um filho. É em situações como essa vemos que essa impunidade, tão reclamada no país, só vale para quem tem a quantia suficiente para se livrar do julgamento; para as famílias pobres, o punitivismo é uma realidade desde cedo.

E o Habib’s? Segue lucrando.

Toda solidariedade à família de João. Não esqueceremos seu nome, sua história.

*Marco Aurélio Barreto Lima é estudante de Direito da PUC-SP, negro, pobre e prounista. Estagiário na área de Direito Administrativo-Regulatório e Concorrencial Antitruste. Gestão do Centro Acadêmico 22 de Agosto da Faculdade de Direito da PUC-SP. Membro do coletivo ProUni-se da PUC-SP.

Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo

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