Por Ligia Kloster Apel – Cimi
“Os órgãos públicos precisam ouvir os povos indígenas, conhecer nossas necessidades e assumir sua responsabilidade de criar e implementar políticas públicas específicas para nós. Conquistamos com muita luta nossos direitos na Constituição que este ano completará 29 anos, mas os governos municipais, estaduais e federal ainda não estão cumprindo com seu dever de torná-los realidade. Assim, exigimos atenção, acompanhamento e ações dos órgãos públicos para que nossos direitos sejam garantidos e cessem as situações de violações descritas nesta Carta”.
Assim concluem sua Carta Aberta os representantes dos povos Deni, Kanamari e Kulina, moradores das aldeias Boiador, Flexal, Itaúba, Morada Nova, Santa Luzia, São João e Terra Nova, localizadas no município de Itamarati, no Amazonas. A carta foi elaborada durante o Mutirão de Defesa de Direitos realizado nos dias 27 e 28 de abril de 2017.
O Mutirão de Defesa de Direitos é uma atividade realizada nas aldeias indígenas, proporcionada pelo projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes”, realizado pela Cáritas de Tefé e Conselho Indigenista Missionário (CIMI-Tefé) e apoiado pela Agência Católica para o Desenvolvimento no Exterior – CAFOD-Brasil, da Inglaterra e País de Gales, e da União Europeia. Contou com a participação da Organização Não Governamental Operação Amazônia Nativa (OPAN).
Seu objetivo é trazer o poder público para perto das comunidades e criar um espaço de diálogo e negociação direta, de forma que um maior número de pessoas falem e sensibilizem os gestores dos órgãos para sua realidade de violações de direitos que sofrem. Indígenas que falam apenas seu idioma podem participar do diálogo, pois há tradutores para a conversação. Por outro lado, são espaços de aprendizagem para as lideranças e demais pessoas da comunidade, uma vez que se defrontam com o poder público num ambiente menos intimidador do que nas cidades e gabinetes.
As violações descritas na Carta Aberta foram levantadas durante o diagnóstico feito nas consultas iniciais às aldeias, nos anos de 2014 e 2015 e nos casos relatados durante as assembleias da Associação do Povo Tukuna do Rio Xeruã (ASPOTAX) e Associação do Povo Deni do Rio Xeruã (ASPODEX), e enaltecidas durante o Mutirão, perante os órgãos que se fizeram presentes: Secretaria Municipal de Assistência Social, Conselho Tutelar de Itamarati, Secretaria Municipal de Educação e Polo Base de Saúde Indígena – enfermeiro em área.
As violações denunciadas foram das mais diversas ordens: desrespeito aos direitos territoriais e ausência de fiscalização; total descaso à opinião das comunidades em relação ao projeto Luz para Todos; desrespeito ao direito que têm a uma educação escolar diferenciada e específica para os povos indígenas; da mesma forma a saúde indígena sofre discriminação pois precisa ser diferenciada e respeitadas as especificidades indígenas. A infraestrutura para o atendimento é precária, falta capacitação para os atendentes e não são contratados Agentes Indígenas de Saúde, Agente Indígena de Saneamento e Agente Indígena de Microscopia, profissionais necessários nas aldeias; falta de respeito pela autonomia e autodeterminação enquanto povos indígenas e dificuldades de acesso às documentações civis e étnicas pela ausência dos órgãos competentes nas cidades próximas.
Além dessas apontadas no documento, os indígenas sofrem ameaças à sua liberdade de expressão e às formas próprias de associativismo; intimidação no direito a votar e ser votado; atos de preconceito e discriminação étnica e cultural no acesso a postos de trabalho; negação de seus direitos sociais e, ainda, criminalização de lideranças.
Todas essas violações são muito graves e precisam ser denunciadas. O direito à vida é de todos e para viver é preciso estar na terra, é preciso garantir o território. Para Phaavi Deni, aldeia Boiador em Itamarati, a Terra não pode ser comercializada, pois ela é como nossa mãe. O líder Deni, junto com os líderes Kanamari Miguel da Silva Gomes, Wakdji Rose Kanamari, Iwa Kanamari e Deni, Umada Kuniva Deni, Shakeravi Deni, ao assistirem o filme “Menos Preconceito, Mais Índio”, produzido pela Pródigo Filmes, na aldeia do povo Baniwa, no Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), e realizado na campanha promovida pelo Instituto Socioambiental (ISA), relatam sua concordância com os parentes Baniwa, quando eles falam aos brancos que negociam terras: “Vocês continuam brancos, nós continuamos índios. A terra é nossa mãe e mãe não se vende, mãe não se negocia”.
Os Mutirões de Direitos são um momento importante para os indígenas porque é a “hora do diálogo acontecer e deve ser permanente. Os órgãos públicos precisam ouvir os povos indígenas, conhecer as necessidades e assumir sua responsabilidade de criar e implementar políticas públicas específicas para nós”, explicam em uma única voz as lideranças dos povos presentes ao evento.
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Iniciativa do projeto “Garantindo a defesa de direitos e a cidadania dos povos indígenas do médio rio Solimões e afluentes” Foto: Chantelle Teixeira