Alejandro Solalinde, 76 anos, vive sob escolta policial há 6 por ter decidido proteger migrantes centro-americanos de traficantes de pessoas e de autoridades corruptas no México
Janaina Cesar | Osservatorio Diritti – Opera Mundi
“Ou eu me salvava, ou ajudava os migrantes; escolhi ajudá-los.” O padre Alejandre Solalinde, hoje com 72 anos de idade, sabe bem os riscos decorrentes de sua escolha. Ele irritou autoridades corruptas do México e o crime organizado, que veem os migrantes como mercadorias lucrativas: cada um deles pode valer até US$ 7 mil. Ficar do lado dos oprimidos lhe custou sua liberdade. Há seis anos ele vive sob escolta policial e sabe que sua cabeça vale um milhão de dólares. “Eles me querem morto, mas não tenho mais medo”, diz Solalinde.
O padre mexicano conta sua história em voz baixa, enquanto toma um gelato em uma tarde quente em uma cafeteria no centro de Vicenza, na Itália. Solalinde vive em Ixtepec, no Estado de Oaxaca, no sul do México, ponto de passagem obrigatória para cerca de 500 mil pessoas “indocumentadas” da América Central que, a cada ano, fogem da miséria e da violência com a esperança de chegar aos Estados Unidos. Os migrantes – homens e mulheres de todas as idades, e também crianças – chegam a essa pequena cidade mexicana de cerca de 25 mil habitantes de carona com “La Bestia”, o trem de carga que corta o país do sul ao norte. Eles chegam exaustos, com fome, sujos e assustados, sabendo que é preciso “mucha suerte” para chegar à fronteira com os EUA.
O trem da morte
Subir na “Bestia” é tão perigoso quanto entrar em um barco para atravessar o mar Mediterrâneo, como fazem todos os dias milhares de refugiados que escapam de guerras na África e no Oriente Médio em direção à Europa. Pendurar-se no trem de carga que atravessa 4 mil quilômetros de solo mexicano é a única opção dos migrantes para chegar à fronteira norte-americana, visto que não há trens que transportem passageiros no país.
A viagem é longa e dura cerca de um mês. Há várias etapas até a fronteira e é aí que mora o perigo. “Alguns deles perdem pernas, mãos, pés em meio aos trilhos, enquanto outros são sequestrados por cartéis de droga para serem usados como mercadoria”, diz Solalinde.
Um negócio de milhões de dólares
Tudo são negócios para o crime organizado. Para cada mercadoria, há um mercado: as mulheres acabam nas redes de prostituição forçada; as crianças são vendidas a pedófilos; os homens, forçados a entrar nos grupos criminosos; e os idosos, assassinados.
Segundo Solalinde, 20 mil “indocumentados” são raptados a cada ano no México. Este “comércio” de seres humanos vale 50 milhões de dólares ao ano. Diante destas cifras, se entende porque o sacerdote hoje seja o inimigo número 1 dos traficantes: seu trabalho pode desmantelar um negócio milionário.
A rede: cartéis, polícia, políticos
Solalinde incomoda também a polícia e os políticos em conluio com os narcotraficantes. “No México, temos o crime organizado e o crime autorizado”, diz. Segundo o padre, “para compreender a gravidade da situação é necessário entender que cerca de 80 cidades são comandadas pelos cartéis de drogas; todas as instituições foram infiltradas.”
E é lá mesmo, não muito distante da região do Estado de Chiapas onde vivem os militantes do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional), as forças de segurança aterrorizam os migrantes e cobram seu “pedágio”. Se a pessoa tem dinheiro, eles a deixam passar. Se não, a espancam, prendem e entregam aos cartéis de droga.
O padre descobriu esse esquema quando em 2007 ele mesmo foi preso com um grupo de migrantes da Guatemala. “Eles nos prenderam, nos roubaram e deixaram escapar os traficantes que estavam prestes a nos sequestrar”, conta. “Não sou ingênuo, sabia que existia uma cumplicidade de alguns policiais com criminosos, só não imaginava que fosse tão profunda.”
Naquele momento, Solalinde tomou a decisão mais importante de sua vida, uma escolha que ajudou a salvar milhões de vidas: ele abriu em Ixpetec o centro para migrantes “Hermanos en el camino” (“Irmãos na estrada”), uma casa, um refúgio, uma pequena esperança de sobrevivência para pessoas que deixaram tudo em busca de uma vida melhor. Nestes dez anos, cerca de 200 mil pessoas passaram por lá.
A escolha: lutar por direitos humanos
Em todo o México, há grupos de pais que buscam seus filhos desaparecidos. “Mas quem procura os migrantes?”, questiona o padre. O cartel de drogas mexicano conhecido como Los Zetas inventou o sequestro de migrantes e o único modo de combatê-lo é a denúncia. Diante de números não exatamente entusiasmantes de casos solucionados – apenas 2% dos 20 mil assassinatos anuais no México – Solalinde decidiu seguir denunciando as violências perpetradas contra os “indocumentados” e contra a população local.
Ele pediu ajuda aos guatemaltecos com quem foi preso, mas eles tiveram medo e preferiram seguir seu caminho rumo ao norte. “Pedi que me ajudassem a denunciar os policiais. Aquelas pessoas iriam roubar outros migrantes como eles, e só uma denúncia poderia dar um fim à violência e à criminalidade daqueles oficiais”, conta.
Um deles, José Alberto, decidiu denunciar. Os outros seguiram para os EUA, mas ele ficou ao lado de Solalinde, se tornando também um defensor dos direitos humanos. Alberto é hoje diretor do “Hermanos en el camino”. “Para mim, essa foi uma grande lição. Isso me ensinou que os migrantes são livres, se decidem sê-lo”, diz o padre, emocionado.
Solalinde lembra também Dorila, que foi espancada, estuprada e viu seus nove irmãos serem assassinados no México. Ela conseguiu fugir e seu caminho se cruzou com o do sacerdote. Após conseguir o status de refugiada, ela hoje também trabalha com o “Hermanos en el camino”.
Histórias de voluntários
“Uma das melhores coisas é receber os voluntários”, diz Solalinde. “Uma vez veio um homem chinês que não falava espanhol e mal sabia inglês. Ficou conosco por meses e nos ajudou em tudo. Tivemos também um grupo de jovens mexicanas que ficou durante todo o verão. Elas conheceram um senhor descendente de franceses que se chamava René. Ele era idoso e elas decidiram ajudá-lo”, conta. “Elas escreveram um livro chamado ‘Refúgio’, que me enviaram. Li aquelas histórias e as dos migrantes que passaram por nós e chorei. São tantas pessoas que passam pelo centro, é impossível conhecer as histórias de todos.”
Os tantos Maria, José, Antonio, Dolores, Manuel, Moisés, Alejandro e tantos outros nomes lhes fazem pensar que os muros de Trump e outros que estão sendo construídos pelo mundo de nada servem. “Esta migração é autônoma, nada poderá controlá-la. Os migrantes foram expulsos de seus países pela mesma razão: o sistema neoliberal capitalista. E a resposta a isso deve ser em nível global”, diz Solalinde. O único muro que lhe preocupa “é aquele que temos dentro de nós: o muro da intolerância, da misoginia, da xenofobia, da homofobia.”
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*Tradução de Carolina de Assis.
Foto: O padre Alejandro Solalinde e “La Bestia”, trem de carga usado por migrantes centro-americanos para chegar aos EUA