Por Patricia Fachin, no IHU
Os dados de que as desigualdades sociais no Brasil não diminuíram ao longo dos últimos 15 anos, conforme demonstra a pesquisa realizada pelo economista Marc Morgan, do Instituto World, Wealth & Income Database, que é codirigido pelo economista Thomas Piketty, reforçam as análises feitas pelos pesquisadores brasileiros que usam as informações do Imposto de Renda para calcular os índices de desigualdade no país, diz Fábio Castro à IHU On-Line. Segundo o pesquisador, as pesquisas mais recentes sobre o tema concluem que “a concentração de renda entre os mais ricos é, de acordo com os dados tributários, substancialmente maior do que a estimada pelos levantamentos domiciliares, sem que tenha havido tendência de queda nos últimos anos”.
De acordo com Castro, nos últimos 15 anos, especialmente entre 2006 e 2012, a desigualdade de renda foi muito mais alta e estável. “Quando se combina a PNAD à DIRPF, quase metade de toda a renda no país está concentrada nos 5% mais ricos e um quarto, no 1% mais rico. O milésimo mais rico acumula mais renda que toda a metade mais pobre da população. Isso reflete um perfil que já é bem conhecido: o Brasilé marcado por uma grande massa de população de baixa renda que se distingue de uma pequena, porém muito rica, elite. Esse perfil não se altera significativamente ao longo do tempo”, afirma.
O patrimonialismo e o modo como são desenvolvidas as políticas públicas no país, explica, ajudam a explicar as origens das desigualdades no Brasil. “Parece existir uma eterna política de ‘rent-seeking’ exercida pelos mais ricos e influentes, da qual não conseguimos nos livrar e da qual o exemplo mais atual seria o direcionamento de dinheiro do BNDES a empresas escolhidas como ‘campeões nacionais’. Outra parte da explicação, talvez, resida na incapacidade dos governos de construir políticas públicas efetivas de combate à desigualdade ao longo dos anos”. E adverte: “Os objetivos de nossas políticas públicas não são claros, assim como não existe avaliação de resultados. Portanto, asseguro que há muito dinheiro mal gasto e muita política pública inócua em resolver o problema que pretende”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Castro também sugere um novo tipo de tributação no país, mais progressiva, mas pontua que “a desigualdade não se resolve somente com a tributação progressiva da renda, isto é, com a tributação mais intensa dos mais ricos. Deve haver uma contrapartida obrigatória de política pública voltada aos mais pobres, materializada em despesa orçamentária ou gasto tributário”.
No atual contexto, em que uma série de gastos sociais terão seus orçamentos reduzidos até 2020, frisa, “urge que o poder político mude sua agenda do curto prazo para o longo prazo e comece a se empenhar em fornecer um maior bem-estar à população. Caso contrário, estaremos repetindo os mesmos resultados em 2030 e falando da tragédia nossa de cada dia”.
Fábio Castro é graduado e mestre em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA, e mestre em Economia pela Universidade de Brasília – UnB, com a dissertação Imposto de Renda da Pessoa Física: Comparações Internacionais, Medidas de Progressividade e Redistribuição. Atualmente, Castro está cursando doutorado na UnB.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Recentemente foi divulgado o resultado do estudo de Marc Morgan, do World, Wealth & Income Database, o qual informa que as desigualdades cresceram no Brasil nos últimos 15 anos. Como você recebeu essa informação? Chegou a analisar os dados dessa pesquisa? Qual sua avaliação?
Fábio Castro – Tomei conhecimento do trabalho por meio de alguns colegas de mestrado da Universidade de Brasília. Como as notícias na imprensa citavam um trabalho em que fui coautor, eles me avisaram. Li o trabalho do Marc e trata-se de um estudo bem feito que utiliza dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE; dados das Declarações de Ajuste Anual do Imposto de Renda – DIRPF de 2007 a 2015 e dados do Sistema de Contas Nacionais do Brasil, também elaborado pelo IBGE. Todas as fontes de dados são oficiais e fidedignas. A conclusão da pesquisa, em linhas gerais, é que há uma estabilidade, persistente e incômoda nos níveis de desigualdade de renda no Brasil. Nada que, em minha opinião, os pesquisadores brasileiros do tema não soubessem, ou, pelo menos, desconfiassem.
IHU On-Line – Os estudos brasileiros que têm como base as declarações do imposto de renda também chegam a essa mesma conclusão?
Fábio Castro – Aqui serei bem específico em citar, literalmente, as conclusões de dois trabalhos em que fui coautor com Marcelo Medeiros e Pedro Herculano, ambos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea. No trabalho intitulado O Topo da Distribuição de Renda no Brasil, nossas considerações finais foram: “A principal conclusão é que a concentração de renda entre os mais ricos é, de acordo com os dados tributários, substancialmente maior do que a estimada pelos levantamentos domiciliares, sem que tenha havido tendência de queda nos últimos anos. Em média, entre 2006 e 2012, o 1% mais rico do Brasil se apropriou de pouco menos de 25% da renda total, sendo que o 0,1% mais rico, por si só, ficou com 11%. A desigualdade entre os mais ricos também é maior nos dados tributários do que nas pesquisas domiciliares. Nossos dados permitem assegurar que os mais ricos são resistentes à queda da desigualdade que foi observada nos levantamentos domiciliares.”
Em nosso segundo artigo intitulado A Estabilidade da Desigualdade de Renda no Brasil, 2006 a 2012, fizemos a junção dos dados da PNAD com os dados da DIRF e da mesma forma concluímos que: “A desigualdade de renda no Brasil é muito alta e estável entre 2006 e 2012. Quando se combina a PNAD à DIRPF, quase metade de toda a renda no país está concentrada nos 5% mais ricos e um quarto, no 1% mais rico. O milésimo mais rico acumula mais renda que toda a metade mais pobre da população. Isso reflete um perfil que já é bem conhecido: o Brasil é marcado por uma grande massa de população de baixa renda que se distingue de uma pequena, porém muito rica, elite. Esse perfil não se altera significativamente ao longo do tempo…”. Portanto, nossos estudos chegam a conclusões similares ao trabalho do Marc, ainda que utilizando metodologias diferentes.
IHU On-Line – Nos últimos anos, especialmente nos governos Lula, falou-se que houve redistribuição de renda no país, inclusão social, redução da pobreza e da miséria, aumento do emprego formal e valorização do salário mínimo. Considerando esse cenário, como o contrapõe à pesquisa de Marc Morgan e aos seus estudos? Os dados dessa pesquisa lançam algum tipo de questionamento sobre as informações e os dados dos últimos anos, que indicavam justamente a redução das desigualdades no país?
Fábio Castro – Aqui existem dois aspectos da pergunta que precisam ser comentados. Um é que o “debate eleitoreiro” acaba contaminando o aspecto acadêmico e os interlocutores tingem os resultados com as cores que lhes convêm. Sob o prisma econômico, o controle da inflação em 1994 foi o primeiro aspecto a possibilitar a recuperação da renda e do valor do salário mínimo. Segundo Fábio Giambiagi, economista do BNDES, o salário mínimo subiu 158% em termos reais considerando os dois governos FHC e Lula e o primeiro governo Dilma. Isso, por si só, é uma constatação importante. Inegável também é que durante o governo Lula houve o redesenho do programa Bolsa Escola do governo FHC, o qual se tornou Bolsa Família. O número de famílias atendidas pela transferência de renda passou de 5 milhões para 15 milhões, em um programa mais focado em contrapartidas de saúde e educação das famílias participantes. Esse movimento possibilitou a retirada de milhões de pessoas da situação de extrema pobreza e pobreza, no que considero o maior legado que esses dois presidentes deixaram ao Brasil.
O segundo aspecto é uma questão de filosofia da ciência. O contexto dos resultados obtidos por pesquisadores sérios e comprometidos com o tema da desigualdade, como Sônia Rocha, Rodolfo Hoffmann, Ricardo Paes de Barros, entre outros, que mediram a queda da desigualdade com os dados da PNAD está correto. Não poderia ser diferente até porque houve queda da desigualdade nos estratos de renda mais baixos, melhores medidos pela PNAD, nos períodos que estudaram, em geral de 1997 a 2010. Eles próprios faziam ressalvas quanto à subestimação da renda dos mais ricos, fosse por problema de amostragem, fosse por problema na resposta ao questionário da pesquisa. Mas esses pesquisadores não dispunham dos dados do Imposto de Renda, os quais passaram a ser disponíveis a partir de 2012. Afirmo com absoluta certeza que, se eles tivessem tido acesso à DIRPF, suas conclusões seriam as mesmas dos nossos trabalhos.
Segundo Karl Popper, um dos grandes filósofos da ciência no século XX, o verdadeiro cientista deseja criar teorias falseáveis. No terreno da ciência não há espaço para verdades eternas. Não há certo ou errado absoluto, há explicações que mudam de acordo com o contexto e o avanço das técnicas. Dessa forma, as conclusões do Marc, assim como as nossas, não invalidam o grande avanço social que o Brasil conheceu nos 16 anos dos governos FHC e Lula e as conclusões das pesquisas anteriores baseadas exclusivamente na PNAD. Na minha opinião, não há conflito e os resultados são reconciliáveis quando se faz uma leitura isenta e politicamente desapaixonada.
IHU On-Line – Como você explica o fenômeno da desigualdade no Brasil? Quais são as causas dessa realidade?
Fábio Castro – A desigualdade social é um fenômeno complexo e multifacetado. Não há resposta simples ou pronta a essa pergunta. Parte da explicação está na própria construção histórico-cultural da nossa sociedade, onde predomina o patrimonialismo tão explicitado por Roberto da Matta e Raymundo Faoro. Parece existir uma eterna política de “rent-seeking” [rentismo] exercida pelos mais ricos e influentes, da qual não conseguimos nos livrar e da qual o exemplo mais atual seria o direcionamento de dinheiro do BNDES a empresas escolhidas como “campeões nacionais”. Outra parte da explicação, talvez, resida na incapacidade dos governos de construir políticas públicas efetivas de combate à desigualdade ao longo dos anos.
IHU On-Line – O que esses dados que indicam a não redução das desigualdades no país demonstram sobre as políticas públicas brasileiras de enfrentamento às desigualdades, sobre o mercado de trabalho e outras tentativas de enfrentar as desigualdades?
Fábio Castro – Eu diria, parafraseando o título de um artigo de Paes de Barros, que essa estabilidade inaceitável na desigualdade social tem forte correlação com as políticas públicas. Peguemos o Bolsa Família. O programa custa, aproximadamente, 26 bilhões por ano (baixo custo frente a um orçamento de 1 trilhão e trezentos milhões, grosso modo) e teve sucesso em colocar as crianças na escola, principalmente no ensino fundamental. As perguntas seguintes são: a escola é de qualidade? Se o aluno concluiu o ensino médio, vai conseguir se inserir no mercado de trabalho? Há alguma ajuda da escola no direcionamento da escolha do aluno ao ambiente econômico local? Vamos tornar o Bolsa Família um programa de assistência perpétua? Como saber se a família assistida já atingiu um patamar de renda plausível à sua saída do programa? São perguntas simples, mas de respostas complexas e que nos permitem refletir sobre quais resultados desejamos. Porque se o resultado desejável fosse ampliar as matrículas no ensino fundamental, o programa poderia acabar hoje.
Quando se formula uma política pública, os objetivos a serem atingidos devem ser claros, assim como a avaliação da política deve ser obrigatória. Essa é a chave do sucesso. A avaliação de qualquer política pública deveria ser obrigatória. Quando se pensa em política pública se pensa em gasto, mas se esquece que sempre há uma maneira mais eficiente de se gastar. No México, a avaliação dos programas governamentais é obrigatória por lei, havendo, inclusive, amostragem aleatória de controle e tratamento nos programas de transferência de renda. Temos conhecimento no Brasil para fazer essa avaliação. Basta colocar em prática. No final, os objetivos de nossas políticas públicas não são claros, assim como não existe avaliação de resultados. Portanto, asseguro que há muito dinheiro mal gasto e muita política pública inócua em resolver o problema que pretende.
IHU On-Line – Além da renda, quais são os demais critérios analisados para medir as desigualdades sociais?
Fábio Castro – O critério mais comum é a renda e a medida mais comum é o índice de Gini (índice que considera a distribuição de renda e vai de zero para igualdade perfeita até 1 para desigualdade total). Mas você pode utilizar outros critérios como acesso à saúde, educação, entre outros. Há aqui também medidas de comparação entre países como renda per capita, Índice de Gini, IDH da ONU que considera a expectativa de vida (saúde), o tempo médio de escolaridade (educação) e o PIB per capita (renda).
IHU On-Line – Quais são as fontes mais seguras para medir as desigualdades hoje no país?
Fábio Castro – As pesquisas familiares como o Censo, a PNAD e Pesquisa dos Orçamentos Familiares – POF do IBGE, o Sistema de Contas Nacionais, também do IBGE e os dados do imposto de renda (produzidos pela Receita Federal) são fontes confiáveis de dados para qualquer estudo. Assim como quaisquer dados produzidos por órgãos do governo. O ideal é o pesquisador conversar com quem produziu os dados e se familiarizar com seu processo de coleta e produção, pois isso permite uma maior reflexão sobre os problemas inerentes aos dados e sobre as metodologias de correção aplicáveis.
IHU On-Line – O que seria uma reforma tributária adequada para a realidade brasileira? Que tipo de tributação poderia reduzir as desigualdades?
Fábio Castro – Antes de responder à pergunta preciso ser taxativo em um aspecto que considero fundamental e que todo cidadão precisa entender para não ser enganado por falsas propostas, principalmente depois do livro O capital no século XXI do economista francês Thomas Piketty. A desigualdade não se resolve somente com a tributação progressiva da renda, isto é, com a tributação mais intensa dos mais ricos. Deve haver uma contrapartida obrigatória de política pública voltada aos mais pobres, materializada em despesa orçamentária ou gasto tributário.
Pense que hoje uma reforma tributária decidiu tributar fortemente os mais ricos, mas que o dinheiro arrecadado foi utilizado num programa de auxílio à compra de carros de luxo. Na teoria você olha a índice de Gini diminuindo na renda pós-tributação, mas há alguma coisa a comemorar? Essa comemoração só seria possível se o dinheiro fosse aplicado em um programa de melhoria das escolas nas favelas. O governo é o responsável por fazer a transferência de renda dos ricos para os pobres. E é preciso que a sociedade cobre cada vez mais não só a correta aplicação do recurso, mas também a política pública mais adequada ao local e ao momento.
Voltando à pergunta, deve haver uma troca paulatina da tributação sobre o consumo para a tributação sobre a renda e propriedade, como proponho na minha dissertação de mestrado elaborada na Universidade de Brasília em 2014. Isso torna a tributação mais progressiva (mais intensa sobre os mais ricos). Não dá para fazer isso da noite para o dia num país cuja renda per capita anual era de R$ 35.000 em 2011 e que em 2016, após a crise econômica, está em torno de R$ 26.000. Essa mudança tem que ser gradual e considerar que a arrecadação do Imposto de Renda implica transferências aos Estados e Municípios. Portanto, diminuir tributos sobre consumo da competência da União como PIS e Cofins e compensar com um aumento no IRPF, por exemplo, implica perda de arrecadação para a União. Há que se reduzir o ICMS e ISS também, e isso é outra discussão. Certo também que o sistema tributário se tornou muito complexo, com a legislação federal, com 27 legislações diferentes de ICMS e milhares de ISS, o que impõe um custo de cumprimento muito alto ao contribuinte e acaba deteriorando o ambiente de negócios.
O pacto federativo precisa ser reavaliado de forma lúcida. Acho que alguns meses de reflexão e auxílio de bons acadêmicos pode produzir propostas pontuais e de fácil implementação, como a proposta de nova legislação do PIS e Cofins produzida pela Receita Federal. Acho que a situação política não recomenda uma reforma ampla como a proposta recentemente elaborada pelo Deputado Hauly no Congresso Nacional.
IHU On-Line – Internacionalmente, que comparações é possível estabelecer entre o Imposto de Renda de Pessoa Física brasileiro e o de outros países?
Fábio Castro – Na minha dissertação de mestrado, fiz um breve estudo comparado das estruturas do IRPF de alguns países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE e da América Latina – AL. Aqui vou ficar com a AL por ser mais interessante. Os dados são referentes ao ano de 2012. A arrecadação do IRPF frente ao PIB é 3% para o Uruguai, 2,7% para o Brasil, 2,6% para o México e 2,5% para a Argentina. A média dessa relação para a AL é 1,3% frente a 8,5% dos países da OCDE. A arrecadação do IRPF frente à arrecadação total é 13,6% para o México, 7,6% para o Brasil, 7% para o Chile e 6,7% para a Argentina.
Em termos de número de alíquotas e limite de isenção, México e Argentina não possuem limite de isenção e possuem oito e sete alíquotas, respectivamente. As maiores alíquotas marginais são 40% para o Chile, 35% para a Argentina e 30% para o México, ao passo que no Brasil temos quatro alíquotas, sendo a maior delas 27,5%.
Nota-se uma grande dificuldade da AL em tributar a renda devido ao fato de serem países com renda per capita mediana, ao contrário dos países da OCDE. Em termos de progressividade, o IRPF brasileiro é muito progressivo, mas sua capacidade distributiva é baixa devido à representatividade da arrecadação frente ao PIB. Acho que essas informações são um bom resumo da situação do IRPF na AL, ficando o alerta que comparações diretas podem ser falaciosas devido à estrutura de isenções estabelecida na legislação tributária de cada país.
De qualquer forma, o IRPF no Brasil sofre de problemas sérios visto que profissionais liberais como médicos, dentistas, advogados, contadores, entre outros, optam por se transformar em pessoa jurídica para pagar alíquotas inferiores aos 27,5% da tabela progressiva. A situação piorou ainda mais quando, recentemente, permitiu-se a contadores e advogados adentrar ao Simples Nacional, regime tributário mais favorável que o lucro Presumido. Essas são, justamente, as pessoas que pertencem ao topo da distribuição de renda e poderiam pagar os 27,5%, assim como o fazem os assalariados da iniciativa privada e os servidores públicos das três esferas de governo.
IHU On-Line – Hoje, com o avanço das tecnologias e a expectativa de que elas mudarão completamente o mercado de trabalho, que será mais automatizado, alguns sociólogos e economistas têm sugerido tributar robôs ou distribuir algum tipo de renda universal para todos os cidadãos. Como você vê esse tipo de proposta?
Fábio Castro – Não tenho dúvidas de que as bases de tributação deverão ser modificadas muito em breve. O problema ambiental sugere tributarmos empresas por capacidade de dano ao meio ambiente, o comércio eletrônico sugere a tributação dos bens intangíveis, já em curso, o surgimento das criptomoedas sugere novas formas de tributação do mercado financeiro, por exemplo. Além disso, muitos pesquisadores afirmam que o aumento da desigualdade continuará em função da extrema especialização que existirá na sociedade do conhecimento, e minha tendência é concordar com eles.
Quanto à renda universal, essa é uma proposta defendida por um dos maiores pesquisadores de desigualdade, o Prof. Anthony B. Atkinson, falecido este ano, para o Reino Unido – RU. Em seu livro intitulado Desigualdade, ele mostra detalhadamente a possibilidade de implantação dessa política no RU. Eu, particularmente, acho que é cedo para pensar nisso no Brasil frente a tantos outros problemas a serem resolvidos. O Bolsa Família dá conta desse recado pelo menos nos próximos cinco anos.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Fábio Castro – A agenda da diminuição da desigualdade é a agenda do próprio país. Em se melhorando saneamento básico, acesso à saúde e acesso à educação de qualidade, certamente a desigualdade diminuirá. A afirmação parece óbvia, mas deve-se lembrar que o orçamento federal estipula meta de déficit primário até 2020. Isso comprime a agenda de políticas públicas possíveis. Urge que o poder político mude sua agenda do curto prazo para o longo prazo e comece a se empenhar em fornecer um maior bem-estar à população. Caso contrário, estaremos repetindo os mesmos resultados em 2030 e falando da tragédia nossa de cada dia.
Por fim, gostaria de recomendar a leitura de dois livros já traduzidos para o português: Desigualdade, do Prof. Atkinson, e A grande saída, do Prof. Angus Deaton. Ambos tratam de desigualdade e fornecem informações importantes e de fácil entendimento pelos leitores.
Agradeço, mais uma vez, a oportunidade de expor minhas opiniões pessoais nessa entrevista.