Pedir ditadura não é ignorância, é medo de perder privilégios, diz historiadora

Por Luana Dorigon, especial para Ponte

Não é de hoje que pedidos de intervenção militar aparecem nas ruas do país. Mas esse discurso ganhou força no fim de maio, quando caminhoneiros entraram em greve e, entre protestos contra preços de combustíveis e pedindo o fim da corrupção, voltaram a defender, em uníssono, que o caminho para tirar o Brasil da crise seria a volta do regime militar.

Um levantamento do Terra, com em termos procurados no Google, mostrou que o número de buscas pela expressão “intervenção militar” quadruplicou em maio de 2018 (3,17 milhões de buscas) em relação ao mesmo período de 2017 (669 mil).

A explicação não é a ignorância, mas a indiferença, na visão da historiadora Marília Bonas, coordenadora do Memorial da Resistência de São Paulo.  “Como alguém exposta a opiniões de todos os tipos de pessoas todos os dias em função do lugar em que trabalho, queria dizer que é muito fácil acusar quem pede intervenção militar de ignorante do que foi a ditadura. Lamento dizer que o buraco é mais embaixo. Vivemos num mundo brutal e violento, onde se tortura e se mata pelas mais diversas razões”, conta a coordenadora do museu, Marília Bonas. “Muita gente sabe, sim, o que foram as torturas e ignomínias desse período e não se sensibiliza por isso”, afirma a historiadora.

Segundo Marília, parte da população entende que, “no atual momento político, é melhor a violência de um regime autoritário a um ideal democrático que implique em perda de privilégios”. Para ela, “a fantasia de meritocracia de uma boa parte da sociedade faz acreditar que mesmo aquele que não tem privilégio algum vai perder o pouco que tem com a manutenção da democracia em tempos de crise”.

O Memorial da Resistência nasceu da pressão da sociedade civil para transformar o edifício que sediou o Deops/SP (Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo), um dos principais centros de tortura de São Paulo, em um lugar de memória que abordasse as violências cometidas nos períodos ditatoriais brasileiros.

O Memorial é hoje o único museu que trata o tema no Brasil junto aos mais diversos públicos e conta com intensa programação de exposições, atividades educativas e acervo digital de depoimentos e lugares de memória da repressão e resistência no país.

Para a diretora do Memorial, “a saída democrática implica em se responsabilizar pelo país, em eleger novas lideranças, fazer uma nova política, olhar a corrupção estruturante e estrutural. No entanto, dá trabalho e depressão discutir isso em meio a um mar de fake news e palpiteiros de portal de notícia. Está todo mundo cansado, desiludido, pedindo ajuda”.

‘É como pedir para ser amordaçado’

Para o militante e filósofo político Edson Teles, “desde que saímos da ditadura militar, o fantasma da intervenção militar está presente”. Mesmo com documentos revelados recentemente sobre escândalos de corrupção  e  execuções sumárias, ainda há grupos defensores do retorno da ditadura.

“Quando vejo essas manifestações só consigo pensar na nossa luta por fazer uma justiça de transição, que é composta por conhecer e revelar a verdade, garantir a memória e reflexão do que foi a ditadura e colocar no banco dos réus os que torturaram e mataram as pessoas que lutaram contra a ditadura, para mostrar que eles [torturadores] que estavam errados e não quem era contra”, conta o militante e ex-preso político Ivan Seixas.

Preso junto ao pai e torturado aos 16 anos, Seixas alega que o que mais o incomoda é ver trabalhadores pedindo pela volta do regime militar. “É como pedir para ser amordaçado e privado de sua liberdade. É um absurdo”, lamenta.

Para Ivan, “vivemos numa sociedade manipulada por uma mídia fascista, pisamos num terreno mais fértil ainda para a direita fazer essa pregação. Esses pedidos de intervenção militar são frutos da ignorância das pessoas. É obvio que há infiltrações das forças de direita nessas manifestações, eles precisam passar a ideia de que está tudo ruim, ‘porque tem muita corrupção’ e só tem uma solução: os militares”.

“Eu espero muita luta para o nosso país. Hoje a luta não necessariamente precisa ser armada e clandestina, como em minha época. Ela vai ser uma luta na base, sabemos que ao colocarmos em xeque a ditadura deles, vai ter muita violência e repressão, mas enquanto houver espaço, precisamos lutar para não fecharem a repressão em cima da classe trabalhadora”, conclui Seixas.

Militantes pró-ditadura fazem protesto na Paulista, em São Paulo, em 31/03/18. Foto: Daniel Arroyo /Ponte

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