Candidatos vão inviabilizar o Brasil em 2019 ao promoverem ódio na eleição. Por Leonardo Sakamoto

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O atentado contra Jair Bolsonaro poderia ter ajudado na distensão do discurso que promove a ultrapolarização burra, que transforma adversários políticos em inimigos a serem abatidos. Poderia.

A postagem da foto do candidato, em uma UTI, ainda convalescente por conta da facada, fazendo seu conhecido gesto que imita armas com as mãos, foi a senha para seus adversários retornarem à carga contra ele. Para eles, a imagem seria um indício de que, mesmo naquela situação, ele continuaria banalizando a violência. Simultaneamente, parte de seu seguidores mais estridentes, nem trégua deram, distribuindo ameaças de morte e promessas de vingança pelas redes sociais enquanto ele ainda estava na mesa de cirurgia.

Quem ganhar as eleições vai assumir um país à beira do precipício, com o dólar alto, a gasolina nas alturas, quase 12,9 milhões de desempregados, 4,8 milhões que desistiram de procurar emprego por desalento, pouca margem de investimentos para executar as novas políticas propostas e contas públicas a resolver. Muitas análises têm sido produzidas sobre a importância de um ajuste fiscal para impedir que mergulhemos no inferno. Sim, no fundo do poço sempre há um alçapão.

Mas também assumirá um país deflagrado politicamente. A situação atual (Bolsonaro esfaqueado, caravana de Lula alvo de tiros, Marielle executada) é uma nova etapa da violência política ignorada pelos governantes, que mata lideranças sociais e jornalistas, país afora, há tempos. Porém, olhando as crises nas quais outros países mergulharam, ainda vivemos em relativa estabilidade.

Corremos o risco de que o primeiro turno abra mais feridas entre o eleitorado. Alckmin, Ciro, Haddad e Marina vão se estapear na busca pelo direito de enfrentar o ex-capitão no segundo turno. E, com isso, incendiar a militância e o eleitorado. Dada a nossa falta de cultura para o debate público, isso pode significar criar fraturas que não se colarão tão cedo.

O segundo turno será outro show de horrores, com os dois lados queimando pontes e esgarçando aquilo que nos une como sociedade, desumanizando o outro a ponto de defender seu extermínio. Quem vencer pode ter que governar cinzas e escombros.

Líderes políticos, aliados a lideranças econômicas, religiosas e sociais, afirmam que não incitam a violência através de suas palavras. Porém, se não são suas mãos que seguram o revólver ou a faca, é a sobreposição de seus argumentos e a escolha que fazem das palavras ao longo do tempo que distorce a visão de mundo de seus seguidores e torna o ato de esfaquear e atirar banal. Ou, melhor dizendo, “necessário”. Suas ações e regras redefinem, lentamente, o que é ética e esteticamente aceitável, visão que depois será consumida e praticada por terceiros. Estes acreditarão estarem fazendo o certo, quase em uma missão civilizatória ou divina, e irão para a guerra.

Como já disse aqui, é assustador saber que alguém visto como ”normal” pode ser capaz, nos contextos histórico, político e institucional apropriados, tornar-se o que convencionamos chamar de monstro. Ou seja, os monstros são nossos vizinhos ou podemos ser nós mesmos. Pessoas que colocam em prática o que leem e absorvem todos os dias em redes sociais: que quem pensa diferente é a corja da sociedade e age para corromper os valores morais, tornar a sua vida um inferno e a cidade, um lixo. Seres descartáveis, que vivem na penumbra e nos ameaçam com sua existência, que não se encaixa nos padrões estabelecidos do ”bem”.

Questionados sobre a tolerância com pessoas de diferentes origens, culturas e pontos de vista, 45% dos brasileiros diz estar menos tolerante e 29% mais tolerante do que há dez anos. A média global foi de 39% e 30%, respectivamente, segundo números divulgados, em abril, por uma pesquisa da Ipsos Mori feita em 27 países. Para 62% dos brasileiros, o país está mais polarizado. Por aqui, a política é vista como principal fato de desentendimento e separação. Na média dos países consultados, a percepção da polarização é de 58%, o que mostra que vamos mal, mas o mundo também não vai lá muito bem.

Claro que a forma como foi estruturada a publicidade em plataformas como o Google e o Facebook ajudou a piorar a situação ao possibilitar a monetização de atividades de sites e páginas, não raro anônimos, que lucram com a degradação do debate na esfera pública. Ações têm sido tomadas pelas plataformas para corrigir isso, mas essa influência tem sido sentida nas eleições.

O processo de ultrapolarização tem como ”sócios” partidos, líderes políticos, sociais e empresariais, parte da imprensa, grandes empresas. Enquanto essas pessoas e instituições não resolverem sentar para dialogar e buscar uma saída conjunta para distensionar relações, tendo os candidatos à Presidência à frente, vamos continuar vivendo uma espiral de violência no debate público, online e offline.

Sabemos que temos um déficit de formação para a cultura política do debate e para a convivência com a diferença e que, infelizmente, não somos educados, desde cedo, para saber ouvir, falar, respeitar e, a partir daí, construir consensos ou saber lidar com o dissenso. Não somos educados para a tolerância e a noção de limites. Precisamos difundir a ideia de que as violências física, psicológica, verbal não são instrumentos de resolução de conflitos.

Há uma minoria de violentos. Na política, no futebol, na religião. E que, portanto, deveria ser tratada ou contida por seus amigos e companheiros. O problema é que o resto da sociedade, por cumplicidade ou indiferença, segue no papel de refém e espectadora de um show de horrores que parece não ter fim.

O Brasil teve 63.880 mortes violentas intencionais, em 2017, de acordo com levantamento divulgado, em agosto,pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso representou um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior. Foram 55.900 homicídios dolosos (alta de 2,1%), 2.460 latrocínios (queda de 8,2%) e 955 lesões corporais seguidas de morte (alta de 12,3%). Ao todo, 5.144 mortos em intervenções policiais (alta de 20%) e 367 policiais mortos (queda de 4,9%) – um policial morto e 14 mortos por policiais todos os dias.

Também foram registrados 60.018 estupros, 1.133 feminicídios, 4.539 mulheres vítimas de homicídios e 221.238 registros de lesão corporal dolosa em violência doméstica. E 119.484 armas de fogo apreendidas. Das quais, 13.782 acabaram perdidas, extraviadas por roubadas.

Esse Brasil, que ostenta números piores que os de regiões em guerra, corre o risco de deixar a eleição com o espírito mais deflagrado que o de 2014. E o que acontece quando um país violento sai carregado de ódio e ressentimento de seu processo eleitoral?

Nuvens escuras seguem cobrindo o horizonte. Vem tempestade aí.

Foto: Luis Moura/Estadão

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