Povos da Raposa Serra do Sol reivindicam respeito e cumprimento de direitos constitucionais

Escrita após a III Assembleia da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, uma carta foi produzida pelos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó

Por Verônica Holanda*, no Cimi

Como fruto da III Assembleia da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, encerrada em 23 de janeiro, uma carta assinada pelos cinco povos que vivem na área foi publicada com um pedido de respeito e cumprimento dos direitos constitucionais no que se refere à demarcação dos territórios tradicionais. Composta pelos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó, ela reafirma os resultados obtidos desde a homologação de Raposa e ressalta as preocupações com as medidas e proposições do atual presidente da República.

“Hoje somos mais de 25.635 mil indígenas habitantes de quatro etnorregiões, Surumú, Raposa, Baixo Cotingo e Serras, reunidas em 222 comunidades indígenas. Com a garantia da nossa terra, conseguimos fortalecer cada vez mais a nossa organização social e autonomia, avançando nos projetos de sustentabilidade, educação e saúde”, relatam na carta.

A assembleia teve como principal tema a análise de conjuntura da situação política dos povos indígenas. Um dos pontos analisados envolve a Lei nº 9.836 de 1999, que estabelece o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS, que o atual ministro da Saúde, o ruralista Luiz Henrique Mandetta, disse que pretende mudar.

Outras questões envolvem a Educação Escolar Indígena Especifica e Diferenciada e o direito de consulta livre, prévia, informada e culturalmente adequada, descrita na convenção n° 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Mesmo diante desses avanços, a conjuntura da questão indígena no Brasil nos traz preocupações com as medidas e proposições do atual presidente da República Jair Bolsonaro”.

Além da reivindicação do direito à consulta livre, os indígenas expõem a inconstitucionalidade da Medida Provisória 870/2019 e do parecer que estabelece o Marco Temporal. Requerem também o arquivamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que dá ao Congresso Nacional a palavra final sobre novas demarcações, bem como atacaram o Projeto de Lei – 1610/96, que permite a exploração de recursos minerais em terras indígenas, e do Projeto de Decreto Legislativo (PDC) 2540, que autoriza o aproveitamento de recursos hídricos na Cachoeira do Tamanduá, em Roraima.

“Depois de 519 anos de luta e resistência, o Estado brasileiro não pode permitir mais uma vez o extermínio físico e cultural dos povos indígenas em prol de interesses econômicos e privados, privilegiando setores do agronegócio e dos grandes empreendimentos que visam afetar nossas terras indígenas, além de outras ameaças que retrocedem direitos garantidos”.

Leia a carta na íntegra:

III ASSEMBLEIA DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
“ANÁLISE DE CONJUNTURA DA SITUAÇÃO POLÍTICA DOS POVOS INDÍGENAS”

CARTA DOS POVOS INDÍGENAS DA RAPOSA SERRA DO SOL
“ANNA PATA, ANNA YAN – NOSSA TERRA, NOSSA MÃE”

Ao Excelentíssimo Presidente da República – Jair Messias Bolsonaro
Ao Excelentíssimo Ministro da Justiça e Segurança – Sérgio Moro
Ao Excelentíssimo Ministro da Saúde – Luiz Henrique Mandetta
Ao Excelentíssimo Ministro da Educação – Ricardo Vélez Rodriques
À Excelentíssima Procuradora Geral da República – Raquel Dodge
À Excelentíssima Deputada Federal – Joenia Wapichana
 

  1. Após 13 anos de homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, consolidada e afirmada pelo Supremo Tribunal Federal – STF em 2009, que considerou todo processo de demarcação constitucional, conforme o Decreto 1175/96 vimos reafirmar que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em área continua é legítima e originária dos povos Macuxi, Wapichana, Taurepang, Patamona e Ingaricó.
  2. No ano em que a nossa Constituição Federal Brasileira de 1988 completou 30 anos, uma das principais conquistas da sociedade brasileira nas últimas décadas, nós, povos indígenas da Raposa Serra do Sol também celebramos mais de 10 anos em que os nossos direitos originários sobre a terra, diversidade cultural, costumes, crenças e tradições foram reconhecidos pela Suprema Corte do País. Atos que garantem o bem-estar social, vida digna, livre e saudável às nossas comunidades indígenas.
  3. Hoje somos mais de 25.635 mil indígenas habitantes em quatro etnorregiões, Surumú, Raposa, Baixo Cotingo e Serras, reunidas em 222 comunidades indígenas. Com a garantia da nossa terra, conseguimos fortalecer cada vez mais a nossa organização social e autonomia, avançando nos projetos de sustentabilidade, educação e saúde.
  4. Como fruto dessa conquista apresentamos os resultados dos nossos trabalhos obtidos em um período de apenas 10 anos, tais como 60.126 mil bovinos, projeto de energia eólica, centro de produção agrícola, produção de melancia, milho, feijão, centros regionais, Escola Profissionalizante Indígena de Agropecuária, Polo de Mediação e Conciliação de Conflitos Indígenas reconhecido pelo STF, além de avanços na área de educação, como a formação de 600 professores indígenas, 30 técnicos indígenas em agropecuária, e na saúde, agentes indígenas de saúde, microscopista, agente de endemias e técnicos de enfermagem. Também na área de vigilância e monitoramento territorial, temos agente territorial indígena, brigadistas, operadores de direito indígena, agentes de proteção territorial indígena e outros.
  5. Mesmo diante desses avanços, a conjuntura da questão indígena no Brasil nos traz preocupações com as medidas e proposições do atual Presidente da República Jair Bolsonaro. Entre as preocupações, destacamos a declaração de revisão de demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a Medida Provisória 870/2019 que transfere a competência de demarcação das terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura, a tentativa de arrendamento, de liberação da mineração e construção de hidrelétricas nas terras indígenas, a extinção da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão – SECADI do Ministério da Educação, que reconhece a diversidade sociocultural, atos e declarações que mostram claramente o posicionamento contrário do atual Presidente, frente aos nossos direitos indígenas.
  6. Em solidariedade aos demais povos indígenas de Roraima e do Brasil, assim como demais povos tradicionais que também sofrem com os ataques e ameaças, a nossa III Assembleia da Terra Indígena Raposa Serra do Sol com o tema “Análise de Conjuntura da Situação Política dos Povos Indígenas”, realizada nos dias 21, 22 e 23 de janeiro de 2019, amparada pela Constituição Federal de 1988, nos artigos 231 e 232, Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Declaração dos Povos Indígenas e demais tratados internacionais, reivindicamos:
  7. Direito à Consulta livre, prévia, informada e culturalmente adequada competindo à decisão final conforme o regimento interno da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL
  8. A inconstitucionalidade da Medida Provisória 870/2019, especificamente, os artigos que tratam sobre as questões indígenas, como a transferência de competência do processo de demarcação da FUNAI para o Ministério da Agricultura;
  9. Que seja arquivada a PEC 215; PL- 1610/96; PDC-2540; e outras medidas legislativas e administrativas;
  10. Que seja declarada a inconstitucionalidade do Parecer 001/2017 que estabelece o Marco Temporal;
  11. Que o Governo Estadual e Federal respeite a Educação Escolar Indígena Especifica e Diferenciada garantido na Constituição Federal e as demais leis educacionais. Não aceitamos a militarização das escolas indígenas e nem a implantação do modelo de “escola sem partido”;
  12. Que o Governo Federal respeite a Lei nº 9.836 de 1999, conhecida como Lei Arouca, que estabelece o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS com base nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas sob a responsabilidade da União;
  13. Que a FUNAI permaneça no Ministério da Justiça e Segurança Pública, com orçamento adequado para as principais atribuições de proteger e promover os direitos dos povos indígenas;
  14. Que os responsáveis pelos crimes cometidos contra as comunidades indígenas Brilho do Sol, Homologação, Jawari, Tai Tai no ano de 2003, o Centro Indígena de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol, em 2005, os ataques contra os 10 indígenas, conhecido como o caso “10 irmãos”, em 2008 e demais crimes, sejam responsabilizados e que a justiça brasileira tome as medidas cabíveis para que não continuem impunes;
  15. Que o governo Federal respeite o Direito de manifestação livre dos Povos e Movimentos Sociais;

Depois de 519 anos de luta e resistência, o Estado brasileiro não pode permitir mais uma vez o extermínio físico e cultural dos povos indígenas em prol de interesses econômicos e privados, privilegiando setores do agronegócio e dos grandes empreendimentos que visam afetar nossas terras indígenas, além de outras ameaças que retrocedem direitos garantidos.

Por fim, que o Presidente da República Senhor Jair Bolsonaro e os Ministros de Estado respeitem e cumpram os nossos direitos fundamentais previstos na Carta Magna do País, especialmente os direitos dos povos indígenas.

“Nenhuma gota a mais de sangue indígena no Brasil”.

Centro Indigna de Formação e Cultura Raposa Serra do Sol/Região Surumu/ TI Raposa Serra do Sol, 23 de Janeiro de 2019.

*Estagiária sob supervisão de Tiago Miotto da Ascom/Cimi

Imagem: III Assembleia da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Foto por Jacir Filho.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

14 + 17 =