Decisão atende a pedido do MPF e da DPU; órgãos apontaram a ocorrência de diversas violações aos direitos humanos, incluindo prática de tortura e homicídios, na área ocupada por comunidades tradicionais e povos indígenas
Procuradoria da República no Amazonas
Atendendo ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU), o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou a suspensão imediata da operação policial realizada há algumas semanas pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (SSP/AM) na região do rio Abacaxis, entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte, no Amazonas.
A região faz parte dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis I e II, envolvendo indígenas e populações tradicionais. A área onde os conflitos têm ocorrido também é território reivindicado pelo povo indígena Maraguá, por isso, qualquer atividade externa e de uso de recursos naturais na região – como turismo de pesca esportiva, entre outras – só é permitida com autorização legal e mediante consulta e consentimento das comunidades, nos termos da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com o devido acompanhamento dos órgãos responsáveis pela gestão da área. Atividades que não cumpram estes requisitos são irregulares.
A decisão do TRF aponta que, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), ainda que a terra indígena esteja em processo de demarcação, a Constituição Federal prevê a atuação de forças federais nesta área, cabendo a atuação de estados e municípios em caráter complementar, sempre em articulação e sob a liderança da União.
A operação policial implementada pela SSP/AM teria sido deflagrada sem qualquer planejamento ou participação em conjunto dos órgãos federais de segurança, ao contrário do entendimento já manifestado pelo STF.
Força Nacional e Polícia Federal – Em resposta a requerimento do MPF e de outras instituições, a Força Nacional enviou 30 agentes, há uma semana, para a região do rio Abacaxis, com o objetivo de reforçar a segurança no local e garantir que a Polícia Federal investigue as violações cometidas contra os povos indígenas e comunidades tradicionais que habitam a área. Os agentes da Força Nacional deverão permanecer no local por, no mínimo, 60 dias.
A Polícia Federal está atuando na região após decisão da Justiça Federal em ação ajuizada pelo MPF, para assegurar a proteção dos indígenas e populações tradicionais da área, considerando os potenciais abusos e ilegalidade relatados por moradores do local. Na manifestação apresentada ao TRF, o MPF e a DPU informam que a Polícia Federal já constatou a ocorrência de assassinatos de indígenas e o desaparecimento de ribeirinhos na região.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou a intimação do Estado do Amazonas com urgência, para que a decisão de suspensão da operação policial no rio Abacaxis seja cumprida de imediato.
O recurso julgado no TRF tramita sob o número 1026695-08.2020.4.01.0000. As ações cautelares apresentadas pelo MPF e pela DPU à Justiça Federal seguem tramitando na 9ª Vara Federal no Amazonas, sob os números 1013521-32.2020.4.01.3200 e 1013591-49.2020.4.01.3200.
Entenda o caso – De acordo com as informações apuradas pelo MPF até o momento, as tensões se agravaram após uma série de potenciais abusos e ilegalidades relatados por indígenas e moradores dos assentamentos em relação à conduta dos policiais que participam de operação na área. A ação foi realizada supostamente para coibir o tráfico de drogas na região, no início deste mês, poucos dias após um episódio de lancha em conflito com os comunitários, por conta do uso do rio Abacaxis para pesca esportiva sem licença ambiental, que culminou em suposto atentado contra um dos tripulantes, o secretário-executivo de Estado Saulo Rezende.
Os policiais faziam uso da mesma embarcação particular utilizada para a pesca esportiva irregular e, segundo depoimentos dos comunitários, não usavam uniformes e não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial por lideranças extrativistas. A situação teria causado pânico em todas as comunidades e aldeias pensando se tratar de ato de represália privada. No dia seguinte, a SSP enviou efetivo de 50 policiais, incluindo o comandante da Polícia Militar no Amazonas, para o local. A partir daí, o MPF passou a receber relatos diários de diversos atos de abuso e violação de direitos por parte da Polícia Militar contra indígenas e extrativistas do rio Abacaxis, com relatos até mesmo da prática de tortura e homicídio.
Diante das práticas ilegais denunciadas há muito tempo pelos moradores da área, o MPF ressalta a importância do combate à criminalidade existente na região, contudo repudia veementemente qualquer tipo de violação de direitos humanos dos povos indígenas e populações tradicionais durante as investigações, condenáveis sob qualquer forma, atingindo inclusive pessoas potencialmente sem qualquer envolvimento em atividades ilícitas.