Os impactos ambientais na Estação Ecológica de Fechos são gravíssimos e de grandes consequências irreversíveis
Luiz Paulo Siqueira*, Brasil de Fato MG
A mineradora Vale tem divulgado nos principais meios de comunicação do estado de Minas Gerais que no próximo dia 28 de setembro irá realizar uma audiência pública virtual. O objetivo é debater o projeto de ampliação das minas Tamanduá e Capitão do Mato, em Nova Lima (MG).
A audiência pública é um passo do processo de licenciamento ambiental, possui caráter estritamente consultivo, ou seja, mesmo se o projeto for recusado pela comunidade, ela não tem poder deliberativo. Um espaço como este, realizado de maneira remota, dificulta e inviabiliza a participação de grande parte da sociedade interessada nesse debate.
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) recentemente ajuizou ações solicitando o adiamento e cancelamento de audiências públicas virtuais por entender que, de forma remota, as audiências não garantem a participação plena da sociedade. Violando, assim, o direito à informação dos processos ambientais.
As ações têm tido êxito na justiça, como foi o caso do projeto de mineração na Serra do Curral.
Todavia, quando se trata da mineradora Vale, há um padrão na adoção de táticas para dificultar a participação social e, principalmente, impedir o acesso às informações reais, corretas, da dimensão de seus projetos e impactos nos territórios atingidos.
No caso em questão, há uma intencionalidade da mineradora em dar celeridade ao processo de licenciamento e evitar que o conjunto da sociedade saiba, de fato, o grau de destruição que seu projeto causará.
O projeto
A expansão das minas Tamanduá e Capitão do Mato vai implicar na ocupação de uma área de mais de 553 hectares, o equivalente a 775 campos de futebol, isso sem contar com toda área já ocupada/destruída pelas demais estruturas do Complexo Vargem Grande.
As duas minas terão uma vida útil de 16 anos, com uma capacidade de produção total de 851,9 milhões de toneladas de minério de ferro. Ao mesmo tempo, serão gerados 159,5 milhões de toneladas de estéril, que serão depositadas em grandes pilhas próximas aos bairros e condomínios da região.
O bairro Vale do Sol e diversos condomínios são vizinhos das minas e terão suas condições de vida prejudicadas com o projeto de ampliação. A poluição sonora será agravada substancialmente, com o aumento de detonações e movimentação dos maquinários, que operam 24 horas por dia.
A questão da saúde e qualidade de vida sofrerão um ataque ainda mais brutal, pois o volume de poeira de minério que será emitida pelas cavas tornarão o ambiente insalubre, provocando doenças respiratórias, nos olhos e na pele. Além disso, imaginem o stress e sobrecarga no trabalho doméstico com a limpeza da poeira ou ter de conviver com as janelas fechadas em sua própria casa?
O projeto prevê a ampliação em área prioritária para conservação ambiental.
A expansão das minas vai suprimir uma região extensa de mata atlântica, acarretando em impactos climáticos, na qualidade do ar e perda de habitat – em um território com a presença de espécies raras, seja de fauna e flora. A paisagem será completamente desconfigurada, com a destruição de serras, vales e cavernas. De acordo com os próprios estudos da Vale, existem na área de ampliação das minas 25 cavernas que serão suprimidas, sendo 4 delas de máxima relevância.
Destruição das águas de BH
Toda a região pretendida para a ampliação das minas Tamanduá e Capitão do Mato compreende um território com grande capacidade de armazenamento de água. Trata-se de uma área estratégica para Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), pois é um território fundamental para garantia da segurança hídrica.
Conforme o estudo apresentado pela Vale, serão mais de 120 nascentes impactadas pelo projeto, nascentes estas de qualidade boa e ótima, além de inúmeros cursos d’água que serão contaminados com o assoreamento e carreamento de sedimentos.
Os impactos ambientais na Estação Ecológica de Fechos são gravíssimos, de grandes dimensões e consequências irreversíveis. A Estação é um dos principais mananciais da grande BH, responsável pelo abastecimento de dezenas de bairros.
Com a ampliação das minas, não haverá mais zona de amortecimento, as cavas serão limítrofes da área da Estação e o rebaixamento do lençol freático implicará, em curto prazo, no secamento das nascentes da região.
A Vale tenta, há anos, a ampliação do Complexo Vargem Grande em direção à Estação Ecológica de Fechos. Existe todo um entendimento social, um verdadeiro consenso entre ambientalistas, universidades e diferentes instituições do Estado, como o Instituto Estadual de Florestas (IEF) e Copasa, que apontam pela necessidade de ampliação da Estação Ecológica de Fechos.
À revelia da vontade da sociedade mineira, a Vale retoma seu projeto de ampliação das cavas colocando em risco a qualidade de vida e a segurança hídrica da grande BH.
Se ainda havia alguém que acreditava nas propagandas da Vale, seja por falta de informação ou por ingenuidade mesmo, creio que com essas últimas movimentações fica mais evidente o desprezo que a mineradora possui com as demandas e realidade do povo mineiro. Estamos enfrentando uma das piores crises hídricas e a Vale quer, a toque de caixa, aprovar um projeto que vai destruir a garantia do abastecimento de água para região metropolitana.
Importante lembrarmos que o último quadro de escassez hídrica que enfrentamos nas mesmas proporções foi em 2015, quando a Copasa chegou a realizar racionamento de água na Região Metropolitana de BH (RMBH).
Ainda em 2015, para enfrentar novos cenários de falta de água, a Copasa iniciou as obras de captação no Rio Paraopeba para, assim, aumentar a disponibilidade de água tratada para população.
Porém, em 25 de janeiro de 2019 a Vale comete um crime, mata 270 pessoas e todo o leito do Rio Paraopeba, destruindo a obra de captação que enfrentaria a escassez hídrica. Até hoje a Vale segue impune e ainda não entregou as obras com um novo ponto de captação do Rio Paraopeba e, se não fosse o bastante, avança com projetos de destruição de nossos mananciais.
Este projeto de ampliação das minas Tamanduá e Capitão do Mato não pode ter prosseguimento. Estamos diante da definição do destino da garantia de segurança hídrica da RMBH.
O que está em jogo é nossa água ou o avanço das fronteiras para maximização dos lucros de uma mineradora multinacional. É fundamental ampliarmos nossa capacidade de mobilização, de resistência, de denúncia e pressão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais pela aprovação imediata do projeto que amplia a Estação Ecológica de Fechos.
*Luiz Paulo Siqueira biólogo e coordenador estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
Edição: Rafaella Dotta
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Imagem: A Vale tenta, há anos, a ampliação do Complexo Vargem Grande em direção à Estação Ecológica de Fechos – Reprodução mapbio