Alessandra Munduruku sofre ataque político após chegar da COP26

Por Kátia Brasil, na Amazônia Real

Rio de Janeiro (RJ) – A líder Alessandra Korap Munduruku, uma das mulheres indígenas brasileiras que se destacaram na 26ª. Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), sofreu um novo ataque em Santarém, no sudoeste do Pará. Entre a noite de sexta-feira (12) e manhã deste sábado (13), sua casa foi invadida e furtada. Alessandra, que chegou de Glasgow, na Escócia, na terça-feira (9), não estava em casa, com os dois filhos e o marido no momento do ataque,  justamente por temer pela segurança.

 A Terra de Direitos, organização de Direitos Humanos que atua na defesa, na promoção e na efetivação de direitos, especialmente os econômicos, sociais, culturais e ambientais (Dhesca), disse à agência Amazônia Real que Alessandra Munduruku sofreu um novo crime político (Leia mais neste texto).

Na manhã de sábado, agentes da Polícia Federal fizeram uma perícia na residência da liderança em busca de provas e pistas dos criminosos. Há suspeitas de crimes de furto e invasão de domicílio, dano, ameaças e intimidação por motivação política.

Segundo o Boletim de Ocorrência (BO), que a reportagem teve acesso, para entrar na casa de Alessandra Munduruku os criminosos quebraram uma janela e “subtraíram o cadeado, um equipamento DVR [que é a memória da câmera de segurança], uma pasta roxa com documentos de prestação de contas e R$ 4.000 em espécie, dinheiro que seria utilizado para assembleia do Povo Munduruku”, denunciou a líder em depoimento à polícia. “Solicito providências legais e cabíveis.”

Após o ataque, Alessandra enviou uma mensagem por Whatsapp para um grupo de amigos apoiadores relatando os fatos. Não é o primeiro ataque contra a líder e seu povo. Em 2019, a líder Munduruku teve sua residência invadida, também em Santarém. Documentos e relatórios pessoais e de trabalho foram furtados. Ninguém foi preso.

“Entraram de novo lá em casa, de novo, eu estava sentindo que ia acontecer alguma coisa, por isso que eu tinha que sair de Santarém. Tinha uma coisa estranha acontecendo ao redor e eu [pensei] não vou dormir aqui com essas crianças não”, disse Alessandra aos amigos.

Em outro ponto da mensagem, ela relatou aos amigos um fato anterior, que aconteceu em 10 de novembro. “No outro dia que eu cheguei [da COP26], chegou um carro da Celpa [hoje empresa Equatorial de distribuição de energia] e cortou a energia. Um funcionário disse que iria fazer arrumação em todas [as casas] e que não era só a nossa que seria desligada”, contou ela, que desconfiou do funcionário, pois a conta de energia estava paga.

Na ocasião, Alessandra estava na casa com os dois filhos e o marido. “Que estranho mesmo vir cortar a energia, só a nossa casa? Achei estranho essa atitude do funcionário, pois tem cara que para disfarçar se veste até de policial”, revelou a líder ao amigos.

Com o imóvel no escuro, Alessandra contou que decidiu não dormir na residência. “Eu não vou dormir nessa casa com tudo no escuro. Só, na minha casa, vou dormir nada”, disse ela, que passou a reclamar por telefone com a empresa Equatorial.

“De tardezinha eles vieram [religaram a energia]. Mesmo assim, eu estava sentindo algo, o meu corpo estava falando para eu sair dali”, contou ela, dizendo que seu marido retornou a casa neste sábado e encontrou “tudo revirado”.

Alessandra também relatou aos amigos outro fato que aconteceu no mês de setembro. “Hoje (13) acontece isso. É gente me vigiando. Já faz uns dois meses, eu acho, que parou uma caminhonete preta, perguntando para o vizinho onde morava um índia. Aí o vizinho disse: ‘Mora uma índia aqui do meu lado, a vizinha’’, revelou Alessandra dizendo que o homem perguntou o nome dela para o vizinho. “O vizinho disse: ‘parece que o nome dela é Alessandra’”.

À Amazônia Real, a assessora jurídica Luísa Câmara Rocha, da Terra de Direitos, que defende a líder, disse que a empresa Equatorial informou que não houve aviso de corte de energia para a residência de Alessandra Munduruku, no dia 10 de novembro, o que levantou suspeitas de uma relação entre os fatos e o ataque.  “Me parece uma nítida intimidação, um crime político em referência a repercussão nacional e internacional do discurso que Alessandra fez na COP26 enquanto liderança”, afirma a advogada, lembrando que a primeira invasão que a líder sofreu foi após ela voltar de Brasília, em 2019, quando fez denúncias sobre as invasões aos territórios Munduruku e os projetos de mineração que tramitam no Congresso Nacional.

A reportagem procurou a líder Munduruku para ela falar sobre as ameaças, mas, no momento da ligação, ela se encontrava na sede da Polícia Federal formulando a denúncia.

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Alessandra Korap Munduruku é representante do seu povo, vice-coordenadora da Associação Indígena Pariri e vice-coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará (Fepipa). Nas duas últimas semanas, ela participou da delegação de 40 indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) na COP26. Na conferência, ela sofreu um ataque direcionado de um homem branco, não identificado, que questionou o fato dos indígenas estarem “misturando política e meio ambiente”. Os seguranças do evento precisaram intervir e pedir para o homem sair do local.

Outra indígena que foi atacada por sua projeção na COP26 foi a jovem Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí, mais conhecida como Txai Suruí, única brasileira a discursar na abertura da conferência. Ela está sendo perseguida nas redes sociais depois que o presidente Jair Bolsonaro incitou seus apoiadores a atacá-la.

Em uma das suas falas na COP26, Alessandra Munduruku criticou o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), que também esteve na conferência, e os projetos que ele apoia como de mineração, hidrelétricas e a ferrovia o Ferrogrão, obra para escoar a produção de portos graneleiros (para grãos), que causará mais desmatamentos e impactos socioambientais dentro e no entorno dos territórios.

Enquanto as terras indígenas da Amazônia Ocidental enfrentam a mais severa ação de destruição por garimpos ilegais nos estados do Amazonas, Rondônia, Roraima e Pará, Helder Barbalho criou o Dia do Garimpeiro para ser comemorado na data em 11 de dezembro, segundo o Diário Oficial do estado (Leia a série “Ouro do Sangue Yanomami”).

“O Helder Barbalho [governador do Pará] fala que respeita o meio ambiente, mas criou uma lei para ter o Dia do Garimpeiro”, afirmou ela em discurso na conferência em Glasgow.

O ataque violento foi um recado contrário à operação Mundurukânia, de forças policiais federais contra o garimpo ilegal na bacia do Tapajós, no Pará. Na imagem acima, as casas de Maria Leusa Kaba Munduruku e de sua mãe que foram incendiadas. (Foto: reprodução redes sociais)

Alertas de ameaças são desde 2017

Alessandra Korap Munduruku nasceu na aldeia Praia do Índio, em Itaituba, no Pará. Ela luta pela demarcação da Terra Indígena (TI) Sawre Muybu, no rio Tapajós, no sudoeste do estado.  Em 2019, Alessandra deixou a aldeia para morar no município de Santarém e cursar a faculdade de Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). 

Desde 2017, o Ministério Público Federal no Pará vem alertando as autoridades sobre o aumento da invasão garimpeira ao território Munduruku e de ameaças contra os líderes da etnia. Este ano a situação de violência contra este povo ficou mais crítica. No dia 9 de junho, garimpeiros impediram que um ônibus, que deveria transportar os indígenas da Terra Munduruku até Brasília. Indígenas que são pró-garimpo participaram da ação. A comitiva pretendia se juntar aos protestos contra as pautas anti-indígenas.

Em 2020, Alessandra Korap Munduruku ganhou o Prêmio Robert Kennedy de Direitos Humanos (EUA) e apoio contínuo da RFK Direitos Humanos para seu importante trabalho, como litígios estratégicos, treinamento e capacitação e defesa perante governos, organizações internacionais e outras instituições.

Este ano a sede da Associação de Mulheres Indígenas Munduruku – Wakomborum, no município de Jacareacanga, no sudoeste do Pará, foi depredada, queimada e saqueada na manhã no dia 25 de março. A presidente da associação Maria Leusa precisou fugir devido às ameaças de morte. Todos os indícios levam as lideranças a suspeitar que o ataque foi a mando de garimpeiros que ameaçam os Munduruku e outros povos que vivem na bacia do rio Tapajós e denunciam constantemente a atividade de garimpo no território indígena.

Alessandra Korap Munduruku na COP26. Foto @olivernija /Mídia Ninja

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