MPF defende que comunidades quilombolas do Jalapão sejam previamente consultadas sobre concessão do parque à iniciativa privada

Uma das principais preocupações do órgão é a invasão dos territórios quilombolas, que ainda não estão delimitados ou titularizados

Procuradoria-Geral da República

“Como nós faremos uma concessão de atividades sem saber exatamente até onde vai o território quilombola?”. Esse foi um dos questionamentos levantados pelo procurador da República e representante da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF), Álvaro Lotufo Manzano, durante audiência pública promovida pela Câmara dos Deputados nessa quarta-feira (24). A reunião teve o objetivo de debater os impactos da concessão do Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, à iniciativa privada, especialmente para as comunidades tradicionais que habitam a região. Em agosto, o MPF entrou com uma ação civil pública na Justiça Federal requerendo a garantia de que haverá consulta prévia aos povos afetados.

A concessão e demais espécies de parcerias público-privadas das unidades de conservação do Tocantins está prevista na Lei estadual 3816, de 25 de agosto de 2021. O projeto de lei que resultou na norma foi apresentado pelo governo do estado e aprovado pela Assembleia Legislativa em pouco mais de dois meses. Para Álvaro Manzano, contudo, falta legitimidade ao processo, pois a proposta foi conduzida dentro dos gabinetes e sem a participação das comunidades interessadas. Representação enviada ao MPF pela Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins (COEQTO) relata que os povos tradicionais tomaram conhecimento da proposta legislativa pelos meios de comunicação e em nenhum momento foram ouvidos na discussão.

O procurador da República destacou que o texto aprovado é muito conciso e não detalha como será conduzida a privatização. Segundo ele, a ausência de informações resultou em dúvidas e preocupações tanto para os povos tradicionais quanto para as entidades que zelam por eles. O representante do MPF afirmou que os prefeitos da região estão preocupados e assegurou que todos os segmentos atingidos pela iniciativa, positiva ou negativamente, estão se posicionando contra a maneira como tudo está sendo feito. “Eu nunca vi tamanha unanimidade contrária a um projeto como esse”, disse.

O governo de Tocantins afirma que os povos tradicionais não serão afetados, pois a própria lei diz que as atividades desenvolvidas pelas comunidades estarão fora da concessão. Entretanto, o procurador levantou duas questões que demonstram o contrário. Primeiramente, não há como certificar que esse impacto não ocorrerá, uma vez que existem várias pousadas, restaurantes, cachoeiras e fervedouros situados em terras quilombolas. “Até que ponto essas atividades serão impactadas nós não sabemos, porque não houve estudos e não foram objeto de discussão”, declarou.

A segunda preocupação, segundo Manzano, é que os territórios tradicionais não possuem espaço oficialmente delimitado e nem regulamentação fundiária finalizada. Com isso, é impossível afirmar quais atividades e pontos turísticos estariam dentro de área quilombola. Para o MPF, essa falta de definição pode acarretar problemas e embates entre as empresas que comprarem as terras e os povos tradicionais.

O procurador pontuou ainda que, embora o governo de Tocantins tenha disponibilizado documentos na internet para consulta pública, isso não pode ser confundido com a consulta prévia, assegurada pela Constituição e pela Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais. Manzano destacou que o MPF está lutando no Poder Judiciário para que as autoridades realizem essa conversa com as comunidades tradicionais, respeitando sua cultura e seu modo de vida. Frisou ainda que os próprios quilombolas elaboraram protocolo de como essa consulta deve ser realizada. “Nós encaminhamos ao governo do estado e esperamos que esse protocolo seja respeitado”, finalizou.

Arte: Secom/PGR

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