Moradora do bairro Barro, em Recife, contesta o presidente Bolsonaro e diz que “ninguém mora na beira do rio ou no morro” porque quer. “As condições sociais obrigam as pessoas a morar nesses lugares”
Por Clara Assunção, RBA
Subiu para 100 o número de mortos em Pernambuco por causa das chuvas que vêm provocando enchentes e deslizamentos de barreiras no Grande Recife e na Zona da Mata, desde o dia 23. O estado chega, nesta terça-feira (31), ao quarto dia de buscas pelas vítimas com, ao menos, 16 desaparecidos. Outras 6.198 estão desabrigadas, de acordo com balanço mais recente da Defesa Civil. Ao todo, são 40 municípios afetados pelo temporal que segue atingindo o estado.
Ontem (30), 11 pessoas de uma mesma família foram enterradas. Elas morreram em deslizamento no Jardim Monte Verde, no limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes. A situação na região é a mais crítica, com mais de 20 mortos no local. Especialistas avaliam que a tragédia é a maior já ocorrida em Pernambuco neste século. E se aproxima do número de óbitos da enchente histórica de 1975, quando o rio Capibaribe transbordou e 107 pessoas morreram na capital.
Dirigente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzi Rodrigues pondera que ainda não se tem uma dimensão completa dos estragos porque há bairros, como Muribeca, em Jaboatão, em que a ponte de acesso quebrou e até ontem estava todo mundo isolado. O Corpo de Bombeiros também divulgou que há desaparecidos no município, além de Recife, Camaragibe e Paulista.
Chuva e a desigualdade
Mestra em Sociologia, mulher negra de origem periférica e moradora do bairro Barro, na capital pernambucana, ela também destaca em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, que a tragédia no estado “não é a chuva simplesmente, é a desigualdade social”.
De acordo com a dirigente sindical, as mortes estão diretamente relacionadas à abolição da escravatura não concluída em 13 de maio de 1888. Quando os escravos foram falsamente “libertos”, para, na verdade, serem jogados nas ruas. Indo parar nas favelas, morros e comunidades ribeirinhas. “Porque não tiveram condições, depois de anos e anos sendo explorados pelos senhores de engenho, a liberdade não foi uma liberdade, foi uma nova maneira de escravidão”, lembra Suzi.
“E essa desigualdade se transfere ou aparece com toda essa gama no momento de calamidade como foi nessas cheias. Nenhuma pessoa de bairro rico morreu ou foi atingida pela água. Teve bairros ricos que ficaram ilhados, mas ninguém morreu. Só morreram pobres e pretos que estão nos morros e favelas, como Monte Verde e Ibura. Eu sou oriunda de Ibura, nasci lá, e Monte Verde é vizinho, sei muito bem o que é morar nas barreiras. E aí duas mulheres com quem eu trabalhava morreram soterradas. Então é muita emoção, porque não é só a estudiosa e a sindicalista, é uma cidadã que mora também na periferia”, lamenta.
Ninguém mora na área de risco porque quer
A dirigente sindical também ressalta a avaliação de estudiosos de gerenciamento de risco que vêm apontando os recorrentes desastres dessa natureza como resultado da falta de planejamento urbano, de planos de emergência e evacuação de áreas de riscos e da ausência de construção de moradias sociais. Principalmente diante dos efeitos das mudanças climáticas. Um relatório do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU revelou que Recife é a 16ª cidade do mundo mais ameaçada pela emergência climática e o avanço do nível do mar.
Suzi também criticou a fala do presidente Jair Bolsonaro (PL) a um programa de TV, nesta segunda, em que disse que a população “poderia colaborar” e não construir em áreas de risco. Para ela, a declaração mostra a “falta tamanha de responsabilidade, de solidariedade e respeito” com aqueles que perderam entes queridos nos deslizamentos. A sindicalista também lembra que o governo federal reduziu em mais de 45% o orçamento de 2022 para responder a desastres do tipo, conforme reportou a RBA.
“Ele diminuiu o dinheiro do orçamento e ainda diz que ‘a culpa é sua’. Não, a culpa é de um Brasil que não investe em saneamento, que não investe em política pública. Um país que teve um presidente que reduziu o dinheiro da educação e da saúde. Quando você não tem a preocupação social de construir políticas para melhorar a vida das pessoas, o que vemos é o agravamento da miséria. (…) E essa desigualdade social fica clara no lugar onde a gente mora, ela tem classe, endereço, cor e tudo isso por falta de política pública. Ninguém mora na beira do rio porque quer, ou naquele morro porque quer. As condições sociais obrigam as pessoas a morar nesses lugares”, destaca.
Trabalhadores da cultura
Por conta da tragédia, o prefeito de Recife, João Campos (PSB), e outros gestores municipais suspenderam as festividades juninas. Suzi Rodrigues observa, no entanto, que é preciso pensar alternativas para os artistas e trabalhadores da cultura que já que contavam com temporada do São João para se recuperar da crise causada no setor cultural pelas suspensão das atividades em função das medidas necessárias de restrição social na pandemia de covid-19.
Em abril, Bolsonaro vetou integralmente um projeto de lei de apoio ao setor cultural, conhecido como Lei Paulo Gustavo. Assim como fez em maio, quando vetou também a nova edição da chamada Lei Aldir Blanc, de apoio à cultura. De acordo com a dirigente sindical, os trabalhadores estão se mobilizando em busca de respostas do poder público. “É preciso pensar o que fazer com essas pessoas. Se vai adiar o São João, cuidar dos artistas, porque não é apenas tirar a festa da rua. São milhares de pessoas que pensaram em poder sair um pouco dessa situação de desemprego com o São João e que também foram atingidas pelas cheias”, ressalta.
Em paralelo, o Sindicato dos Bancários de Pernambuco realiza uma campanha de solidariedade para prestar socorro aos mais necessitados. Na sede da entidade há um ponto de coleta de donativos, como alimentos não perecíveis, lençóis, colchões, água, material de limpeza e higiene pessoal, que estão direcionados às famílias desabrigadas. Também é possível contribuir com doações financeiras via pix: CNPJ 10.929.560/0001-89.
Confira a entrevista:
Edição: Helder Lima
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Imagem: Ao todo, são 40 municípios afetados pelo temporal que segue atingindo o estado – TV Brasil/Reprodução
As cidades precisam de um planejamento, pensar às cidades é pensar em quem nelas vivem e contribuem para seu desenvolvimento. As cidades não devem ser bolsões de miséria pra servir de trampolim político e dar votos em tempos de miserabilidade. Ao longo dos anos os problemas da ausência de políticas públicas se arrastam, cada gestor eleito joga pra debaixo do tapete as questões de infra estrutura, Saúde e educação em seus municípios, desconhecem ou não se responsabilizam pela melhoria da qualidade de vida dos seus munícipes, principalmente pela moradia, a população mais pobre desse país estão condenadas a morrerem a míngua e a votarem de dois em dois anos com as promessas que são proferidas em período eleitoral e que não saem do papel. É preciso justiça social urgente!