Ação propõe critérios uniformes para as reparações aos danos materiais e imateriais individualmente sofridos
Ministério Público Federal em Minas Gerais
O Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizaram uma ação civil pública contra Vale S/A, para que a mineradora seja obrigada a estabelecer e pagar um programa de reparação individual para acesso às famílias indígenas do Povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe da Aldeia Naô Xohã, atingidas pelo rompimento da barragem da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho.
O MPF e a DPU pedem que seja pago, como reparação pelos danos materiais e imateriais sofridos individualmente, o valor de 737 salários mínimos por indivíduo adulto, com o adicional de 61 salários mínimos por gestante; 40 salários mínimos por idoso; 111 salários mínimos por liderança indígena; e 60 salários mínimos por criança ou adolescente no grupo familiar.
A criação do programa de reparação individual é referente aos indígenas que compõem a Aldeia Naô Hohã, assim como a outros núcleos familiares que já manifestaram interesse em que os respectivos direitos a reparações individuais sejam tratados nessa ação.
MPF e DPU também requerem que as mesmas reparações individuais sejam destinadas aos indígenas que compõem a Aldeia Katurãma e núcleo familiar autônomo, também atingidos pelo rompimento da barragem de Brumadinho, e que atualmente são assistidos por advogados particulares e negociam diretamente com a Vale, desde que estes sejam previamente consultados e manifestem a intenção de que os respectivos direitos a reparações individuais sejam tratados na presente ação.
O objetivo do MPF e da DPU, por um lado, é o de respeitar a autonomia indígena e preservar a livre escolha, pelos indígenas, de advogados particulares. Nesse sentido, a ação não prejudica negociações dos indígenas caso eles queiram prosseguir sendo assistidos por advogados particulares. Mas, de outro lado, as instituições de Justiça pretendem que não sejam excluídos quaisquer grupos que prefiram ser contemplados nos termos do tratamento uniforme da questão, buscado judicialmente na ação agora proposta. Ao incluir a opção para indígenas que já negociam diretamente com a mineradora, as instituições querem evitar o risco de uma futura prescrição do direito às reparações individuais.
Danos profundos – Segundo relatório técnico que instrui a ação, os indígenas sofreram vários danos decorrentes do desastre, que vão desde a impossibilidade de utilizar a água do rio para atividades cotidianas como banho, lazer e alimentação, já que não podem mais pescar no rio, até danos culturais e espirituais, devido à morte do rio Paraopeba, onde realizavam seus rituais.
O artesanato, outra atividade da qual dependiam os integrantes da comunidade indígena, também ficou inviabilizado, seja pelo escasseamento e falta de matéria-prima, danificada em decorrência do desastre, seja, ainda de modo mais acentuado, pela perda da paz que essa atividade demanda, inclusive porque a vida dos indígenas passou a ter parte muito significativa de seu tempo consumido por infindáveis reuniões em busca de reparação, assim como por manifestações – inerentes à busca por reparação integral e voltadas à sensibilização social para os dramas que passaram a enfrentar –, ou até por debates internos acerca dos rumos da reparação. Ou seja, a vida deles sofreu uma trágica reviravolta, passando em boa parte a girar em torno do processo de reparação, de modo tão agudo que interrompeu mesmo planos e projetos de vida.
Para o MPF e a DPU, o desastre do rompimento da barragem suprimiu diversos direitos fundamentais previstos na Constituição da República, tais como direito de propriedade (art. 5º, XXII), direito à moradia (art. 6º), direito à terra (art. 191), direitos ao trabalho, à saúde, à educação, à proteção da maternidade e da infância e à alimentação (art. 6º).
Reparação – Em agosto de 2021, ao assinar o segundo aditivo ao Termo de Ajustamento Preliminar Emergencial (TAP-E), ficou definida a constituição de Grupos de Trabalho (GTs), integrados por representantes das comunidades indígenas e apoiados pela entidade contratada para lhes prestar assessoria técnica para elaboração de critérios para indenização individual.
Seguindo as diretrizes do TAP-E – um acordo anterior firmado em abril de 2019 –, os indígenas escolheram, como assessoria técnica independente, a entidade INSEA e, como consultoria socioeconômica, o IEDS, que deve fazer o diagnóstico dos demais danos sofridos pelos Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, entidade esta, porém, até hoje não contratada pela mineradora Vale, apesar do acordo que firmou.
Os GTs, auxiliados pela assessoria técnica INSEA, criaram as matrizes de danos que serviram de parâmetro para a composição dos critérios utilizados para a indenização individual.
Posteriormente, a DPU realizou atendimento individual das famílias dos núcleos de Seu Gervásio e Dona Antônia e de Naô Xohã, a fim de aplicar a matriz de danos elaborada e apurar, individualmente, os danos sofridos. Ao todo, foram atendidos 162 indígenas em Minas Gerais e 96 famílias que se encontram na Bahia e que foram, de alguma forma, atingidos pelos danos causados pelo rompimento da barragem da Vale na mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
Foram identificadas 73 tipologias de danos, que vão da exaustão física à alteração de hábitos alimentares, dependência financeira, entre outros. A valoração de cada dano teve por base essa matriz e o cálculo monetário da reparação foi feito de maneira individualizada, levando-se em consideração cada núcleo familiar atendido.
Mesmo assim, após o processo ser concluído, a DPU encaminhou ofícios para a Vale para dar início às negociações com a mineradora, com a posterior abertura de programa de acesso à reparação individual aos indígenas e pagamento dos valores, mas até o momento não obteve resposta da Vale.
Direito reconhecido – As instituições de Justiça lembram que “Cabe destacar que a mineradora Vale já reconheceu seu dever de reparação em favor da comunidade indígena por meio do Termo de Ajuste Preliminar firmado, em 05 de abril de 2019, pelo MPF, ao lado do Povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe da Aldeia Naô Xohã, com a referida mineradora, restando evidenciado o direito dos indígenas atingidos à devida reparação pelos danos que sofreram também na perspectiva individual”.
Dano a projeto de vida – O MPF e a DPU também pediram que os núcleos familiares que tinham planos de se mudar para a Aldeia Naô Xohã, mas que ficaram frustrados em decorrência do desastre do rompimento da barragem, que impediu a mudança, recebam a quantia de 50 salários mínimos, como reparação pelo dano moral decorrente da interrupção de projeto de vida. Também foi pedida a não incidência de prescrição enquanto não forem concluídas as atividades relacionadas ao programa reparatório.
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Foto: Mauro Pimentel | AFP