Caso Samarco: TRF1 mantém indenização por falta de água para todos os municípios atingidos na bacia do Rio Doce

Seguindo entendimento do MPF, ressarcimento deverá ser pago a entes atingidos fora do trajeto direto dos rejeitos

Procuradoria Regional da República da 1ª Região

Acolhendo parecer do Ministério Público Federal (MPF), a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) negou, por unanimidade, recurso da empresa Samarco Mineração, responsável pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), para manter obrigação de pagamento do chamado “dano água” a populações de municípios que tiveram desabastecimento por conta do desastre. A decisão, do último dia 24, considerou uma base ampla de municípios atingidos, incluindo locais fora do trajeto direto dos rejeitos, diferente do que pretendia a mineradora.
Com isso, permanece a obrigação do ressarcimento de R$ 2 mil por dia de desabastecimento para municípios de toda a bacia do Rio Doce que tiveram o fornecimento de água potável encanada comprometido pelo rompimento da barragem, não apenas para localidades inclusas no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado em 2016 entre as instituições de Justiça (MPF, MPs e Defensorias Públicas estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo) e as empresas poluidoras Samarco, Vale e BHP Billiton Brasil. A decisão confirma sentença do Juízo da 12ª Vara da Justiça Federal de Belo Horizonte (MG) mantida, em caráter liminar, pelo próprio TRF1.

O Tribunal reconheceu, agora, de maneira definitiva, a relação de consequência direta entre o rompimento da barragem e a captação e abastecimento de água potável para a população, gerando a obrigação de indenizar. Segundo a relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, o desastre proporcionou a falta de um serviço essencial, cuja repercussão na vida do atingido é inegável.

A magistrada entende, ainda, ser inevitável que o TTAC não tenha contemplado, a princípio, todas as situações que pudessem implicar no dever de ressarcimento, pelas próprias características do desastre, mas que o real objetivo do termo é alcançar localidades efetivamente afetadas pelo rompimento da barragem. “A interpretação de que somente os territórios por onde passou a pluma de rejeitos podem ser considerados como impactados é por demais restritiva e indica afastamento ao propósito dos acordos firmados sobre o rompimento, que é de promoção do ressarcimento integral pelos prejuízos causados”, argumenta.

Ainda nesse sentido, Daniele Maranhão ressalta que as “indenizações em questionamento visam a ressarcir pessoas atingidas, em sua grande maioria, indivíduos humildes e hipossuficientes, que tiveram sua atividade de subsistência interrompida pelo rompimento da barragem”, razão pela qual é imprescindível uma postura a mais abrangente possível, qualitativa e quantitativamente, no que se refere às reparações.

A Samarco questionava a Deliberação 58/2017 do Comitê Interfederativo (CIF), que incluiu no rol de áreas de abrangência socieconômica comunidades da foz do Rio Doce, no Espírito Santo. O documento obriga a Fundação Renova, entidade mantida pela mineradora, a realizar levantamento e cadastro dos moradores atingidos dessas comunidades, com o intuito de torná-los aptos a receber o “dano água” e outras indenizações pertinentes.

O MPF argumentou que a citada deliberação já é objeto de ação na primeira instância, em incidente de divergência proposto pela própria Samarco, o que inviabiliza sua análise no agravo de instrumento agora apresentado. Como o julgamento em primeira instância não ocorreu até o momento, a medida segue válida e eficaz, aplicável ao caso.

Isonomia – O órgão ministerial também aponta que todos os autos envolvendo as diferentes comissões de atingidos no caso Mariana foram desmembrados de um único processo, denominado eixo prioritário 07 (processo 1000415-46.2020.4.01.3800) e que, portanto, as regras aplicadas a um dos territórios impactados pelo desastre devem ser estendidas aos demais. “Não há qualquer razão para se conferir direitos apenas às pessoas atingidas de uma localidade, quando todas as demais, residentes em toda a bacia do Rio Doce, estão rigorosamente na mesma situação”, pondera o procurador regional da República Felício Pontes Jr., que assina o parecer.

Indenização razoável – Outro ponto questionado pela Samarco foi o valor de R$ 2 mil reais por dia de desabastecimento, considerado alto pela empresa. O MPF frisou que o valor arbitrado diz respeito tanto aos danos materiais quanto morais decorrentes da interrupção do serviço essencial por uma grave poluição do Rio Doce proporcionada por desastre ambiental de extrema magnitude.

Para citar um exemplo, no município de Governador Valadares (MG), de 280 mil habitantes, cuja captação de água se dá integralmente no Rio Doce, a chegada dos rejeitos resultou na interrupção abrupta e generalizada do serviço, o que instaurou um cenário de caos urbano e calamidade pública. Os caminhões-pipa fornecidos pela Samarco na ocasião, por ordem judicial, se mostraram insuficientes, gerando uma verdadeira “guerra pela água” entre a população. Pessoas em situação de vulnerabilidade, incluindo idosos, eram obrigadas a enfrentar longas filas para ter acesso a uma pequena quantidade de água mineral.

Frente a tudo isso, é válido levar em consideração a capacidade econômico-financeira da Samarco, Vale e BHP Billiton, que vêm obtendo lucros vultosos desde o desastre. Diante desse aspecto, o MPF defende que o valor arbitrado não representa risco às finanças das empresas poluidoras, responsáveis solidárias pela reparação.

Íntegra do parecer do MPF

Agravo de Instrumento 1042186-21.2021.4.01.0000

Arte: Secom/PGR

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