A presunção da boa-fé de quem compra ouro atrapalha o controle e a fiscalização de uma atividade que é inerentemente poluidora, já que essa prática não só facilita como ainda incentiva a comercialização de ouro originário de garimpo ilegal.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria neste sábado (29/4) para referendar a liminar que, no início deste mês, suspendeu a presunção de legalidade do ouro adquirido e de boa-fé da empresa que o comprou.
No último dia 4, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a eficácia de um trecho da Lei 12.844/2013 que prevê tal presunção. A decisão se aplica a duas ações diretas de inconstitucionalidade: uma delas proposta em conjunto pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade, e outra ajuizada pelo Partido Verde (PV).
Na decisão, o magistrado também determinou que o poder público adote, em até 90 dias, um novo marco normativo para a fiscalização do comércio de ouro e medidas legislativas, regulatórias e administrativas que inviabilizem a compra de ouro extraído de áreas de proteção ambiental e de terras indígenas.
A sessão virtual se encerrará na próxima terça-feira (2/5). Até o momento, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes já acompanharam Gilmar.
Risco ambiental
Na visão do relator, o dispositivo legal contestado pelas ADIs desresponsabilizou o comprador e, assim, “incentivou o mercado ilegal, levando ao crescimento da degradação ambiental e ao aumento da violência nos municípios em que o garimpo é ilegal”.
O ministro destacou a necessidade de paralisar, o quanto antes, o que chamou de “consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas”.
Segundo ele, “não é difícil verificar que a simplificação do processo de compra de ouro permitiu a expansão do comércio ilegal, fortalecendo as atividades de garimpo ilegal, o desmatamento, a contaminação de rios, a violência nas regiões de garimpo, chegando a atingir os povos indígenas das áreas afetadas.”
Gilmar ainda citou precedentes do STF nos quais foi declarada a inconstitucionalidade de normas que, com o pretexto de desburocratizar o licenciamento ambiental, afastavam ou enfraqueciam o controle dos danos causados ao meio ambiente.
Perdas e danos
Para tomar sua decisão, o relator ouviu órgãos, entidades e autarquias ligados ao governo federal e à fiscalização das atividades. Ele destacou informações do Ministério da Justiça sobre o aumento do garimpo na Amazônia nas duas últimas décadas, em áreas nas quais essa atividade é proibida.
A diretoria da Polícia Federal opinou que o afrouxamento regulatório promovido pela lei diminuiu a fiscalização das operações de compra e venda de ouro. Também avaliou que a presunção de legalidade só favorece as ações criminosas, uma vez que há grande dificuldade de controlar a origem do metal comercializado.
O Ministério do Meio Ambiente, por sua vez, informou que, além dos danos ao meio ambiente, o garimpo ilegal abre caminho para outros crimes, como tráfico de drogas e armas, assassinatos, exploração da prostituição, lavagem de dinheiro e formação de organizações criminosas.
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ADI 7.273
ADI 7.345
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Garimpo de ouro na região do Alto Tapajós, na Amazônia paraense. O ouro é extraído nos ‘baixões’ – áreas de várzea próximas a igarapés, onde o minério lavado pelas chuvas se acumula. O desmatamento e a contaminação e assoreamento dos igarapés são alguns dos impactos da exploração. Foto: Gustavo Basso /National Geographic