MPF sustenta nulidade das licenças ambientais, concedidas pelo governo estadual, por violação aos direitos da Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango
Em sessão de julgamento realizada nesta terça-feira (23), a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) mantinha a suspensão das licenças prévia e de instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, da empresa Tamisa, na Serra do Curral, até que houve pedido de vista de um dos desembargadores e a sessão foi suspensa. Porém, já votaram a favor do pedido do MPF os desembargadores Álvaro Ricardo de Souza Cruz (relator) e Miguel Ângelo de Alvarenga; um terceiro desembargador está impedido de votar por ter atuado em primeiro grau. Assim, impera, no momento, a maioria de votos pela suspensão do licenciamento.
Em dezembro do ano passado, o TRF6 concedeu liminar em recurso do Ministério Público Federal (MPF) e determinou a suspensão imediata de quaisquer atividades realizadas pela mineradora no local, por entender que, além da “flagrante violação do direito à consulta” da Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, ficou também evidenciado que o início das atividades de instalação autorizados pelo governo estadual trazia “risco direto e imediato à manifestação existencial da Comunidade Manzo”.
No julgamento desta terça-feira, a procuradora regional da República Mirian Moreira Lima sustentou que o pedido do MPF visa a “resguardar não só os direitos da Comunidade Quilombola, conforme estabelecidos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, como também prevenir a responsabilização do Estado brasileiro no plano internacional em razão do franco descumprimento, pelo governo do Estado de Minas Gerais, da Convenção OIT 169”.
Patrimônio cultural e imaterial – O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em junho de 2022, argumentando que as licenças concedidas pelo governo estadual são nulas porque foram concedidas sem a indispensável consulta livre, prévia e informada à Comunidade Quilombola Mango Nzungo Kaiango, residente na área de influência do empreendimento.
Manzo Ngunzo Kaiango é uma comunidade quilombola do município de Belo Horizonte, reconhecida pela Fundação Cultural Palmares desde 2007. Atualmente, é integrada por 37 famílias, compostas por 182 pessoas. Em 2017, ela foi registrada como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte, após aprovação unânime do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município, e, em 2018, recebeu o mesmo reconhecimento no âmbito estadual [patrimônio cultural de Minas Gerais], pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha). Ambos os registros, municipal e estadual, ressaltaram a importância da atuação estatal para garantir a manutenção das práticas culturais, religiosas e sociais do quilombo.
No dossiê de registro que a reconheceu como patrimônio cultural de Belo Horizonte, as autoridades municipais destacaram “a importância desses coletivos para uma cidade mais diversificada em Belo Horizonte e, principalmente, o reconhecimento das resistências históricas extraordinárias desses coletivos contra processos de desterritorialização, de violência racial, étnica, religiosa e cultural, entre outros processos hostis constituidores da formação das cidades”.
No entanto, segundo o MPF, a Comunidade de Manzo foi surpreendida com a notícia, pela imprensa, de concessão das licenças ambientais para a instalação do Complexo Minerário Serra do Taquaril, sem que lhe tivesse sido feita qualquer consulta, pela empresa ou por órgãos do poder público, a respeito do projeto.
A Justiça Federal de 1ª instância havia negado a concessão da liminar pleiteada pelo MPF, que recorreu ao TRF da 6ª Região, onde obteve a primeira decisão favorável. Ao conceder a tutela, o desembargador federal Álvaro Ricardo de Souza Cruz afirmou que “a Administração Pública, ao analisar licenciamento ambiental no qual as atividades examinadas possam impactar a vida dos povos quilombolas, deve consultá-los de maneira específica, conforme a particularidade do caso e das individualidades e tradições de suas comunidades”.
O desembargador também afirmou que “a discriminação positiva trazida pela exigência de uma consulta aos integrantes da comunidade Manzo Ngunzo Kaiango não só é lícita, como se faz imperiosa para que os rostos destas pessoas não sejam invisibilizados, sendo necessário o cumprimento da Convenção. (…) A memória, a religiosidade, a liberdade e o cultivo de práticas relacionadas com a natureza, dentre outros elementos, não podem ser desprezados a partir da supressão da consulta e do consenso que a Convenção exige”.
(ACP 1029068-41.2022.4.01.0000)
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Imagem: Serra do Curral, em Belo Horizonte, é ameaçada por mineradoras – Adilmargs/Wikimedia Commons