Comunidades tradicionais vão ao MPF contra concessão de seus territórios feita por Alckmin

Documento assinado por grupos quilombolas e indígenas questiona constitucionalidade da lei que permite exploração em unidades de conservação

Por Victória Damasceno, na Carta Capital

Uma representação protocolada no início do mês no Ministério Público Federal e na Procuradoria Geral da República questiona a constitucionalidade da Lei 16.260, iniciativa do governo Geraldo Alckmin (PSDB), que transfere à iniciativa privada a exploração madeireira, de subprodutos florestais e ecoturismo em 25 unidades de conservação no estado de São Paulo pelos próximos 30 anos.

Proposto pelo governador, o projeto de lei foi apresentado em maio de 2013 e permaneceu engavetado na Assembleia Legislativa de São Paulo durante três anos. Quando retomado, foi aprovado em pouco mais de um mês, em junho de 2016.

O documento que questiona a lei é assinado pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização que reúne a população indígena Guarani de todo sul e sudeste do País, em associação com outras três entidades de proteção, além da Defensoria Pública do Estado de São Paulo no Vale do Ribeira.

A representação alerta sobre as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, caiçaras e caboclas que serão afetadas com as concessões dadas às empresas privadas. Entre as 25 unidades de conservação, 18 têm populações tradicionais.

As terras em questão estão no Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC) do Ministério do Meio Ambiente, sendo portanto consideradas pela própria pasta como “áreas protegidas”.

Segundo a representação, as comunidades tradicionais são ameaçadas no momento em que a lei coloca em risco os remanescentes florestais devido à exploração das concessionárias, por dependerem diretamente das formações nativas para a sua sobrevivência.

Julia Carvalho Navarro, assessora jurídica da CGY, afirma que o mais preocupante é a lei se tratar de um antecedente legislativo inédito. “Você tem a construção de espaços territoriais que são especialmente protegidos por terem uma legislação própria e você concede isso à iniciativa privada, sem nenhuma forma específica de regulamentação”, diz.

O documento traz ainda o questionamento de qual seria a responsabilidade socioambiental das empresas concessionárias, visto que não especifica de que forma se daria a relação das exploradoras com as comunidades vivendo nas unidades de conservação.

“De forma prática, a presença de uma nova entidade nessas regiões, sem que não seja estipulado de que forma será a exploração, o trânsito de pessoas dentro das unidades de conservação onde existem comunidades que já vivem lá gera insegurança”, emenda a assessora jurídica, ao se referir aos possíveis transtornos causados para as comunidades.

Às vésperas da única audiência pública chamada pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, em junho de 2015, a ex-secretária estadual do Meio Ambiente Patrícia Iglecias, em entrevista à Rede Brasil Atual, afirmou que ficariam fora das concessões as áreas ocupadas ou com outras restrições fundiárias, ressalva não presente no texto da lei.

A representação enviada ao Ministério Público questiona inclusive que nem mesmo os Conselhos Gestores das unidades de conservação foram convocados para a audiência pública.

“Outra questão principal é que o projeto de lei não foi discutido e não houve nenhuma consulta com as comunidades que habitam essas áreas”, afirma Julia Carvalho Navarro. A assessora jurídica da CGY aponta que o projeto se torna inconstitucional a partir do momento em que coloca em cheque terras indígenas. Segundo a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), existe a necessidade de consulta “livre, prévia e informada” a práticas que interfiram no uso de terras tradicionais.

Na lei 16.260, o estado transfere ao concessionário das terras a responsabilidade de “comunicar imediatamente às autoridades competentes quaisquer ocorrências no exercício de suas atividades que coloquem em risco a integridade ambiental da área concedida”.

Para Navarro, isso significa mais um órgão regulando e controlando as atividades das comunidades tradicionais nas unidades de conservação. “Isso é o Estado alegando que a sua própria ineficiência administrativa é justificativa para a concessão de um espaço público”, emenda.

O local onde está localizado a tribo indígena Peguaoty possui estudos de identificação e legislação da FUNAI, o que confirma a tradicionalidade da terra. Acervo CTI

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