Conflitos no campo brasileiro são denunciados na Universidade Nacional de San Martín, no Peru

O Fórum Social Pan Amazônico (FSPA), que tem abertura oficial hoje, é realizado no Campus da Universidade Nacional de San Martín, em Tarapoto, no Peru. E foi neste espaço, em meio aos estudantes, que os conflitos no campo brasileiro foram denunciados, seja através de músicas, palavras de ordem, ou relatos

Por Assessoria de Comunicação da CPT

Ao som da Canção da Terra, de Pedro Munhoz, a delegação amazônica brasileira de trabalhadores e trabalhadoras rurais e agentes da Comissão Pastoral da Terra (CPT) presente no VIII Fórum Social Pan Amazônico, que acontece em Tarapoto, no Peru, denunciou os conflitos no campo brasileiro e os inúmeros retrocessos e ataques aos direitos do povo pelo governo Michel Temer (PMDB).

O que inicialmente seria um lançamento da publicação anual da CPT, Conflitos no Campo Brasil 2016, se transformou em uma “romaria” pelo Campus da Universidade de San Martín – onde o fórum é realizado. E foi neste espaço que, nesta quinta-feira, 27, por volta das 14h30 no horário local (16h30 hora de Brasília), a delegação dialogou com jovens universitários peruanos sobre a conjuntura política no Brasil, e os reflexos disso ao povo do campo.

Em uma grande roda, de mãos dadas, brasileiros e peruanos cantavam músicas como “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, de Geraldo Vandré. As vezes meio envergonhados, porém muito atentos, os/as estudantes prestavam muita atenção às informações que lhes eram repassadas. Ao fim, foram convidados e convidadas a participarem das discussões do FSPA.

Depoimentos – Após a caminhada e de volta ao Auditório 5 da Universidade, a professora Ana Rita Picanso, quilombola de Conceição do Macacoari, localizado no município de Macapá, no Amapá, contou que no ano de 2013 sua comunidade – já titulada pelo Incra – foi surpreendida com uma placa de licenciamento de um órgão ambiental estadual. “A placa dizia que havia sido dada a permissão a um vizinho do território quilombola para que ele pudesse fazer uma estrada e que ela passasse por dentro do quilombo”, conta ela, que, por orientação da CPT, recorreu ao Ministério Público Federal (MPF).

Como estava na presidência da associação de moradores, Ana foi uma das pessoas que mais sofreu ameaças ao longo desse processo, por conta disso teve que sair da comunidade. “Durante esse processo a comunidade ficou um pouco fragilizada, pois eu tive que sair e ficar apenas na cidade dando as orientações”, relembra a professora. “E a pessoa responsável por esta obra tinha apoio de vários empresários, inclusive de outros lugares do Brasil. E logo nós fomos surpreendidos pela plantação de soja, o que foi nosso pesadelo”, destaca.

Conforme a quilombola, a estrada que dá acesso à comunidade ficou cercada pelo monocultivo. E a ideia da extensão da estrada, segundo Ana, é que ela dê acesso ao vizinho da comunidade, e que ele, com isso, possa integrar as plantações. “No limite da nossa comunidade, o que nos divide são os igarapés, onde o empresário também quer plantar soja”, ressalta Ana. “A luta da comunidade é para que não se construa essa estrada, e para que o agronegócio não venha nos massacrar”, afirma.

Já no Acre, os moradores do Seringal Itatinga, Comunidade Arapuã, formada por seringueiros e ribeirinhos, estão ameaçados de despejo. A comunidade está localizada no município de Manoel Urbano. “O conflito existente em nossa comunidade é por conta do projeto de RED (Reserva de Desenvolvimento Sustentável). Em 2010 foi implantado o projeto na comunidade, e a partir de então tem gerado vários conflitos com os moradores. Nossa luta é para garantir nossos direitos”, destaca Manoel da Silva, conhecido como Manoelzinho, integrante da comunidade.

Segundo ele, o projeto coloca a área da comunidade como sendo de RED, porém, o que Manoel ressalta é que sua comunidade está ali desde 1964. “Nascemos, vivemos ali, somos pais de família, e o projeto desconhece esse direito dessas famílias. E temos muito medo de sermos despejados, pois o projeto alega que não temos direito sobre o território, porque ali seria uma área de RED, e não das pessoas que nasceram e se criaram lá”, destaca a trabalhador.

Reginaldo Lima, membro da Comunidade Serrinha, localizada no município de Barra do Ouro, no Tocantins, e coordenador da Articulação Camponesa de Luta pela Terra e Território, ressalta, em sua fala, o quanto a área em que vive é cobiçada pelo agronegócio. “Em nossa comunidade não é diferente, pois nós temos sofrido com ameaças de despejo e expulsões por parte dos fazendeiros. Por conta dessa cobiça, temos passado por essas fortes ameaças e, inclusive, mortes de companheiros”, denuncia o trabalhador.

O FSPA – FSPA – “Territorialidade e Povos Amazônicos – Andinos; Cuidado dos bens da natureza e propostas alternativas e processos de resistência ao modelo de desenvolvimento capitalista” é o tema da oitava edição do FSPA. Realizado em plena Amazônia peruana, o evento será aberto oficialmente na sexta-feira, 28, no Distrito de Lamas, com uma cerimônia do povo indígena Kichwa-Lamista e a participação das delegações nacionais e internacionais – são esperadas cerca de 1.500 pessoas. O Fórum termina no dia 1º de maio.

O Fórum também tem como objetivo aproximar culturas, quebrar o isolamento das lutas de resistência, fortalecer o combate anti-imperialista, desenvolver a autonomia dos povos, promover a justiça social e ambiental, se opor aos modelos de desenvolvimento predatórios e nocivos aos povos que vivem na Pan-Amazônia, além de discutir alternativas para a construção e promoção da justiça e igualdade social.

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