Raça e Racismo em uma perspectiva global: Revista de Ciências Sociais da UFC v.48 n.2, para baixar

Tania Pacheco

Já está disponível na internet o novo número da Revista de Ciências Sociais, publicação da Universidade Federal do Ceará, referente ao segundo semestre de 2017 (v. 48, n. 2). Organizada por Geísa Mattos sob o título “Raça e Racismo em uma perspectiva global”, ela oferece um rico material para se repensar o racismo, inclusive para além das nossas fronteiras.

A revista é apresentada exclusivamente em formato digital e pode ser inteiramente baixada AQUI. Há também a possibilidade de download por artigo. Abaixo, publicamos sua Apresentação, seguida do Sumário, como um convite à leitura e à reflexão. De parabéns o Departamento de Ciências Sociais da UFC.

***

Apresentação

Por Geísa Mattos, organizadora

Raça e racismo estão no centro dos debates políticos e culturais em todo o mundo contemporâneo. Nos Estados Unidos, o movimento Black Lives Matter e a política Trump de barrar imigrantes dos países árabes; na Índia, reações contra o sistema de castas; nas nações centrais da Europa, hostilidade contra refugiados e imigrantes; no Brasil, racismo e antirracismo escancarados nas redes sociais digitais.

Quais as contribuições que as abordagens comparativas sobre diversas situações de racismo podem trazer para uma compreensão teórica ampliada da questão? O que unifica e diferencia os movimentos antirracismo na contemporaneidade? Quais as contribuições que a etnografia das relações racializadas pode fornecer para compreender a reprodução de um racismo disfarçado (ou “cego”) no cotidiano? O presente dossiê reúne autores do Sul e do Norte da América para pensar em termos diacrônicos e sincrônicos sobre essas questões.

No artigo que abre esta edição, Visões afro-americanas sobre o Brasil, 1900-2000, George Reid Andrews (University of Pittsburgh), mostra que além de uma história de conexões, a história da diáspora africana é uma história de comparações. Ele analisa os olhares de afro-americanos sobre o Brasil ao longo do século XX e como estes se modificaram, passando de uma idealização do nosso país como “democracia racial” a visões cada vez mais críticas sobre as formas brasileiras de racismo.

Andrews apresenta um rico panorama dos contextos históricos a partir dos quais jornalistas e intelectuais afro-americanos interpretaram raça no Brasil e de como foram levados a modificar sua visão. Desde as experiências de Robert Abbott, Ollie Stewart, E. Franklin Frazier e George Schuyler com a discriminação nos hotéis brasileiros em meados dos anos 1940 e 1950 até pesquisas sociológicas e etnográficas mais densas no fim do século – feitas por pesquisadores que dominavam o português e passaram longas temporadas no Brasil, como Hanchard, Twine, Gilliam – as perguntas mudaram. Em vez de buscar compreender se e como a “democracia racial” funcionava; no fim do século, a questão era “por que não há um movimento social afro-brasileiro comparável ao movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos?” (Hanchard, 1994).

Aqui, no entanto, Andrews aponta os limites das comparações quando, ao tomarem os Estados Unidos como “modelo”, abordam o movimento negro brasileiro em termos do que lhe “faltaria”. Citando a ativista brasileira Luíza Barros, na sua crítica à Hanchard, a pergunta deveria ser, por exemplo: “que tipo de movimento negro foi gerado a partir da formação racial brasileira?”. Andrews aponta ainda para a necessidade de mais pesquisas mostrando as conexões e comparações entre as comunidades diaspóricas na América Latina e a fecundidade dos estudos já iniciados nessa direção.

Em uma abordagem mais teórica, mas que também comprova a importância dos estudos comparativos e históricos para a formulação da definição de racismo, o artigo Como pensar o racismo: o paradigma colonial e a abordagem da sociologia histórica, de Karl Monsma (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), argumenta que as diferentes formas de racismo não podem ser compreendidas pelo que se denomina de “paradigma colonial”. O autor faz um amplo inventário de situações históricas em diferentes lugares do mundo para chegar à sua definição de racismo como “a dominação sistemática de um grupo étnico por outro, acompanhada por representações e ideologias que essencializam e depreciam o povo subordinado, servindo para justificar a exploração ou exclusão material”. Ao mesmo tempo, o autor sugere, na perspectiva da sociologia histórica, a compreensão do racismo como processo, estrutura em constante mutação e reprodução.

Uma definição mais ampla – e, ao mesmo tempo, mais precisa – de racismo, e a comparação de diversas situações históricas e culturais às quais esta se aplicaria, conduz Monsma à questão: “Por que vários povos que já foram racializados e subordinados na América não sofrem mais o racismo hoje, ou o sofrem em grau muito menor, ao passo que o racismo anti-negro perdura?”.

Partindo de premissas teóricas bem diferentes da de Karl Monsma, o artigo de João Costa Vargas (University of Texas at Austin), Por uma Mudança de Paradigma: Antinegritude e Antagonismo Estrutural, contribui para um olhar radical e novo sobre a persistência do racismo contra os afrodescendentes no mundo, a partir de sua condição estruturante. Ele propõe um “esboço de teoria alternativa ao estado-império”, uma mudança de paradigma que consiste na substituição da díade analítica “brancx-não brancx” pela díade analítica “negrx-não negrx”. Para Vargas, a “gramática da antinegritude” é normativa, subliminar, ambígua, transhistórica e se estabelece de forma efetivamente imune à contestação. Concentrado no racismo anti-negrx e na sua experiência fundamental de “escravidão póstuma e presente”, o autor defende que “negros vivenciam violência não por causa do que fazem, mas por causa de quem são, ou melhor, de quem não são (…). Da perspectiva de uma pessoa negra, não se trata de perguntar se ela será brutalizada, mas quando”. E ainda: “a condição da escrava, da pessoa imersa na morte social, não é legível pelo mundo que depende de sua presença ausente, existência morta”. O autor defende que se reconheça a profundidade estrutural da antinegritude.

Nesse sentido, é relevante lembrar o trabalho do intelectual e ativista brasileiro Abdias do Nascimento na perspectiva do movimento afrodiaspórico internacional, tema do artigo Abdias Nascimento e a Tradição Intelectual Afrodiaspórica No Combate Ao Racismo, de Tshombe Miles (City University of New York). O autor defende que recuperar a trajetória e as ideias do intelectual brasileiro negro mais influente no movimento negro internacional contribui para a compreensão da luta contra o “racismo cego” (color-blind racism) nos Estados Unidos, pois, para Miles, as formulações de Nascimento anteciparam, em muitos aspectos, trabalhos como o de Eduardo Bonilla-Silva (2014) sobre o “racismo sem racistas”. O artigo de Miles explora as conexões de Nascimento com os ativistas afro-americanos Molefi Asante e Maulana Karenga, que se tornaram amplamente reconhecidos pelo pensamento afrocêntrico. A proposta do quilombolismo, de Nascimento, ganha parte de sua inspiração destas ideias afrocêntricas, embora, analisando o jornal “O Quilombo”, Miles constate que o autor já utilizava uma linguagem afrodiaspórica e uma visão de mundo pan-africana.

O artigo “Parentalidade Soberana” em bairros afluentes da América Latina: Raça e as Geopolíticas dos cuidados de crianças em Ipanema (Brasil) e El Condado (Porto Rico), de Ana Ramos-Zayas (University Yale) contribui com uma densa etnografia de relações do que se constitui em um dos aspectos mais emblemáticos da persistência do racismo no Brasil: os relacionamentos entre famílias de classe média branca com as babás de seus filhos. A partir de um estudo etnográfico com mães e pais dos bairros ricos de Ipanema, no Brasil, e El Condado, em Porto Rico, a autora examina como as elites progressistas da América Latina reformulam o entendimento de raça e classe em relação às práticas e objetivos da parentalidade. Ramos-Zayas apresenta como os sentimentos positivos expressos por mães e pais com relação às babás de fato sustentam as desigualdades de poder e racismo.

O trabalho etnográfico de Ramos-Zayas é exemplar não só no sentido de revelar os aspectos intrínsecos do racismo persistente no Brasil por meio das formas que tomam estas relações no cotidiano, como também por elaborar, a partir dele, o conceito de “parentalidade soberana”, que ela encontra como característica distintiva deste grupo de mães e pais de classe média e que tem como um de seus aspectos mais característicos a repugnância contra os corpos, as roupas e os relacionamentos com suas babás afrodescendentes.

Outro aspecto central e dos mais visíveis atualmente quanto à persistência do racismo no Brasil e nos Estados Unidos vem a partir das denúncias dos movimentos contra a violência policial. Em Flagrantes de racismo: imagens da violência policial e as conexões entre o ativismo no Brasil e nos Estados Unidos, analiso as conexões entre os movimentos antirracismo entre os dois países, a partir de casos brasileiros de violência policial que tiveram grande repercussão como crimes racistas. Minha pesquisa foi realizada nas cidades de Nova York e Rio de Janeiro, onde presenciei encontros de ativistas americanos e brasileiros e observei o compartilhamento crescente de uma “linguagem de raça” em comum. Meu objetivo, no entanto, era compreender as especificidades culturais e políticas da construção de raça que está emergindo nos últimos dez anos a partir das favelas brasileiras. No artigo, preparado para este dossiê, busco apresentar o contexto global e nacional que torna possível esta crescente racialização da discussão da violência policial no Brasil.

Esperamos que nossas contribuições no presente dossiê sejam inspiradoras para os pesquisadores desta temática e produzam novos debates, comparações críticas, conexões teóricas e práticas sobre raça e racismo num mundo cada vez mais complexo, rápido e interconectado.

 

***

SUMÁRIO

CONTEÚDO INTEGRAL

DOSSIÊ

George Reid Andrews
Karl Monsma
João Costa Vargas
Tshombe Miles
Ana Y. Ramos-Zayas
Geísa Mattos

ARTIGOS

Maria José de Resende
Cristiano das Neves Bodart, Marcelo Pinheiro Cigales
Paulo Henrique Martins
Marina Melo

ENTREVISTAS

Glória Diógenes, Márcio F. Benevides

RESENHAS

Gislania de Freitas Silva
Antonio Caubi Ribeiro Tupinambá

 

Comments (2)

  1. Parabéns por essa publicação acadêmica de primeira linha. Não se pode perder de vista que o combate ao racismo precisa ser visto de forma global em razão disso, como ativista contra o racismo, passei a considerar o ´racismo institucional´ como principal foco a exigir o combate ativo.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.

dez − 10 =