O Brasil voltou para o mapa da fome, pois Bolsonaro coloca em risco a soberania alimentar e detrimento dos interesses das empresas estrangeiras, aponta Cássia Bechara, do CRI
Por Solange Engelmann, da Página do MST
Ao longo dos séculos vários povos enfrentaram a dominação da sua cultura, o roubo dos recursos naturais, o extermínio de indígenas, a escravidão dos negros e a invasão de territórios por países imperialistas.
Por que a dominação imperialista continua em pleno século XXI? O que mantém a dominação de poucos países ricos sobre outros países no mundo?
Alguns podem imaginar que não temos nada a ver com isso e que imperialismo é só mais uma palavra complicada… Mas, você sabia que o aumento no preço de alimentos e o boicote à agricultura camponesa e familiar estão relacionados aos imperialismo?
Para entender um pouco mais sobre o que é imperialismo, como ele age no mundo e suas consequências para os povos e países, entrevistamos a integrante do Coletivo de Relações Internacionais do MST (CRI), Cássia Bechara. Na entrevista, a militante também comenta sobre as ações de resistência dos movimentos populares à política de dominação mundial, e explica que o MST está organizando uma série de atividades para a Jornada Internacional Anti-Imperialista, que acontece de 05 a 10 de outubro, como parte de uma ação internacional construída pela Articulação Internacional dos Povos (AIP) em conjunto com outras redes internacionais.
Confira a entrevista na íntegra:
O que é imperialismo?
O conceito de imperialismo surge para designar a estratégia geopolítica de dominação da passagem do século XIX para o século XX. Segundo Lenin [revolucionário russo, principal líder da Revolução Russa de 1917 e primeiro presidente da Rússia socialista] o imperialismo não é apenas uma política ou comportamento dos estados. É uma fase avançada do desenvolvimento capitalista, que articula as necessidades do capitalismo para se desenvolver e as políticas de estado, que garantam essas necessidades. Ou seja, é uma política de estado sustentada em relações econômicas.
As tendências do capitalismo do século XX é marcada pela concentração (surgimento dos monopólios), superacumulação, através da dominação do capital financeiro e o desenvolvimento desigual.
Para viabilizar esse modelo de acumulação capitalista é preciso um entrelaçamento capital-estado. A concorrência no mercado mundial demanda o apoio e a presença constante do estado junto ao capital. A guerra passa a ser a principal forma de concorrência entre os interesses burgueses e entre os estados. O Estado Imperialista é necessariamente militarista e violento.
Como o imperialismo se desenvolveu ao longo da história?
Imperialismo é uma fase histórica particular de desenvolvimento do capitalismo, cujo início pode ser localizado em torno de 1880. Ele surge com o capital financeiro, em que os bancos investem na indústria e iniciam um processo de fusão do capital bancário com o capital industrial, disso se origina o capital financeiro.
O capital financeiro, além de criar um setor monopolista no mercado interno, volta-se para o crescimento da indústria bélica [das armas], o que implica em uma relação estreita com o aparelho do Estado burguês, que se militariza.
No livro “O novo imperialismo”, de David HARVEY, lançado em 2014, ele caracteriza a política de guerra, expansão territorial e investimentos estrangeiros dos Estados Unidos como “novo imperialismo”.
Quais os impactos do imperialismo na agricultura camponesa e familiar e no preço dos alimentos no Brasil?
Temos uma política agrária que prioriza e promove o agronegócio. O agronegócio se tornou a aliança entre os grandes latifundiários, o capital financeiro internacional e as transnacionais. O capital financeiro internacional e as transnacionais são a face econômica do imperialismo atuando nos países. Essa é uma política que prioriza os interesses do capital internacional na agricultura brasileira.
Também há uma desvalorização da moeda do real frente ao dólar. E o que isso tem a ver com o nosso acesso aos alimentos? Com o dólar mais alto, as empresas ganham mais vendendo em dólar, ou seja, vendendo para o mercado externo.
O agronegócio não tem nenhum interesse em produzir alimentos – seu interesse é gerar lucro–, então faz tudo o que gera mais lucro. Ao exportar mais, consequentemente vai haver menos oferta de alimentos para o mercado interno. Com isso, as empresas passam a especular mais sobre os preços, o que significa um aumento no preço dos alimentos para o povo brasileiro.
Ao mesmo tempo, está em curso no país um boicote do governo à Agricultura Familiar e Camponesa, o exemplo recente é o veto, quase total, do governo Bolsonaro a Lei Assis Carvalho – PL735, de incentivo à Agricultura Familiar e camponesa.
Uma agricultura camponesa forte significa maior soberania alimentar, com um país menos dependente do mercado externo. O governo Bolsonaro coloca em risco a soberania alimentar brasileira para privilegiar os interesses das empresas estrangeiras, por isso voltamos para o mapa da fome. São mais de dez milhões de brasileiros que hoje vivem em situação de insegurança alimentar.
Quais os principais países imperialistas do século XXI e as consequências disso?
Os EUA, apesar de vivenciar uma crise de hegemonia no último período, seguem sendo o principal país imperialista do mundo. Mas há “imperialismos regionais”, como Israel, no Oriente Médio. Mas que só tem poder de atuar com o apoio de um imperialismo maior, os EUA.
Quais as principais ação dos movimentos populares atualmente na luta anti-imperialista?
Alguns movimentos populares do Brasil, como o MST, juntamente com as organizações da Alba Brasil, estamos organizando uma série de ações e atividades que denunciam as várias agressões do imperialismo em todo mundo, como parte da Jornada Internacional Anti-Imperialista, que acontece de 05 a 10 de outubro. Por isso, é importante nos envolver em todas as atividades e ações da Jornada.
Estamos organizando ações nacionais e estaduais, como o Lançamento Internacional do Manifesto Anti-imperialista. Também estamos preparando seminários para discutir o assunto, ações de solidariedade de doação de alimentos, doação de sangue e plantio de árvores nos territórios da Reforma Agrária, ato político, atividades culturais e agitação nas redes.
*Editado por Fernanda Alcântara
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Imagem: Enquanto os Sem Terra doam alimentos e lutam pela soberania alimentar, Bolsonaro promove boicote à Agricultura Camponesa e Familiar. Foto: Lia Biachini