‘Eles não fazem B.O., mas a violência acontece’, diz ativista indígena em SC

Morte de garoto [Vítor] traz à tona vulnerabilidade dos povos que migram ao litoral.  ‘As prefeituras dizem que lugar de índio é em aldeia’, diz servidora da Funai.

Mariana de Ávila, do G1 SC

A morte do menino indígena Vítor Pinto, de 2 anos, assassinado com uma faca no pescoço na rodoviária de Imbituba há uma semana, levanta uma questão que vai além da violência gratuita: a vulnerabilidade dos índios que, no verão, migram de suas aldeias de origem para o litoral catarinense. “Eles não registram boletim de ocorrência, mas a violência acontece”, diz a socióloga Azelene Kaingang.

Servidora da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Chapecó, no Oeste, Azelene pertence ao mesmo povo do qual a família de Vitor faz parte. Militante da causa indígena há mais de 20 anos, ela colaborou na redação da declaração da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre direitos dos povos indígenas.

Azelene conta que Vitor e os pais, Sônia da Silva e Arcelino Vara Pinto, tinham acabado de chegar a Imbituba, vindos de Chapecó, quando ocorreu o crime (até a publicação desta reportagem, a polícia não havia esclarecido oficialmente a motivação do crime, mas segundo o delegado regional de Laguna, o suspeito preso teria alegado ‘vingança’ contra indígenas).

A família tinha como destino a cidade de Garopaba, onde ficaria com um grupo de 15 pessoas na Praça da Capivara. Lá dormiriam embaixo das árvores e pela manhã trabalhariam nas praias. Na Aldeia de Condá, à qual pertencem, cerca de 30 pessoas migram para o litoral na temporada.

Migração no verão
Segundo Azelene, atualmente 150 índios que habitam o interior de Santa Catarina e 200 do Rio Grande do Sul mudam para o litoral catarinense para trabalhar com artesanato no verão. Nos dois estados, moram cerca de 350 mil indígenas. Apesar da parcela pequena, a militante denuncia que o diálogo para aceitar o trabalho e a vinda deste povo sazonalmente para região sempre gera conflitos.

“O diálogo é muito difícil. Nós fazemos encontros com autoridades, mas as pessoas não sabem lidar com o diferente. Tentamos explicar que todos, inclusive o indígena, têm o direito de ir e vir, ninguém pode proibí-lo de trabalhar no litoral. Nosso trabalho é tentar normatizar algumas questões”, diz Azelene.

Projeto no papel
Criada por lei em 1999, o Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepin/SC), que faz parte da Secretaria Estadual de Assistência Social, tem como função a fiscalização e acompanhamento de políticas para questões indígenas. Com eleições por biênio, o órgão emprega 48 funcionários.

Segundo a secretária executiva do conselho, Maria Iris Lopes, há um “pré-projeto” de acompanhamento da migração sazional do indígena. “O Conselho faz a orientação de como as Secretarias de Assistência Social deveriam fazer para receber essa população, mas não tem poder de executar medidas, é apenas deliberativo”, explica.

Encontros com prefeituras
Azelene conta que, durante o ano, a Funai realizou mais de 30 encontros com prefeituras para tentar chegar a um consenso sobre a receptividade aos grupos. “A presença do indígena provoca reações violentas, de racismo e discriminação. Os comerciantes não aceitam que eles fiquem sentados nas ruas, as prefeituras dizem que ‘lugar de índio é em aldeia’. Eles são xingados, a polícia vai para cima”, relata.

Conforme a secretária do Cepin/SC, no ano de 2016 será de trabalho mais ‘intenso’ para pressionar municípios. “As ações feitas para a causa indígena ficam muito aquém do que é realizado com outros assuntos. A receptividade das prefeituras não é positiva, é precária”, reconhece Maria. “Vamos criar um grupo apenas para debater esse assunto”.

Segundo a ativista Azelene, quando migram, os indígenas acampam principalmente em praças públicas, praias e rodoviárias para trabalhar. Eles levam as mulheres, crianças e os idosos da aldeia, e reproduzem seus costumes nos centros urbanos. Entretanto, é preciso um apoio municipal para esse acolhimento e, principalmente, respeito de todos, diz a militante.

Outra reclamação é que, quando a Funai busca os municípios, há uma rejeição por parcerias. “A função da Funai é promover ações e articular parcerias para o bem-estar dos povos indígenas, mas a questão indígena é de todos. O ideal é que secretarias e a assistência social também se envolvessem com a promoção de políticas públicas nas cidades”, diz Azelene.

Documentação indígena
A Funai disponibiliza aos indígenas uma documentação para quando vão trabalhar no litoral. No termo, consta quem é o índio, a qual tribo pertence, em que lugar deve ficar e quantos dias pretende permancer, com a assinatura de um reponsável da Funai e do chefe da tribo.

“Essa identificação é uma forma de mostrar que o índio está ali para trabalhar, ele quer voltar para a aldeia. Todos os anos é o mesmo grupo que migra, porque cada um tem uma função específica na aldeia”, diz.

A escolha de um local para ficarem e pernoitarem também é um problema. “As prefeituras sugerem para os índios ficarem à noite em albergues com moradores de rua, usuários de drogas, misturar todos juntos. É preciso pensar em um espaço para eles. Regulamentar espaços para trabalho também é importante”, explica.

Imagem: Socióloga da tribo kaingang relata preconceito contra indígenas (Foto: Azelene Kaingang/Arquivo Pessoal)

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