A irresponsabilidade tem que ter limites! O que está em jogo é muito maior

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

A primeira página do jornal O Globo de hoje dá destaque central à foto acima, com chamada para a página 5. Nela, matéria sobre o bispo auxiliar de Aparecida, que ao final da homilia deste domingo no Santuário afirmou, entre outras coisas:

“Peço meu irmão e minha irmã, a graça de pisar na cabeça da serpente. De todas as víboras que insistem e persistem em nossas vidas. Daqueles que se autodenominam jararacas. Pisar a cabeça da serpente. Vencer o mal pelo bem por Cristo nosso senhor. Amém”.

A missa e todo o resto foram devidamente mostradas pela TV Aparecida. Essa e outras conclamações, alegadamente em nome de Cristo, foram feitas pelo bispo que pode ser considerado tudo menos inocente no que toca aos efeitos desse tipo de comportamento via mídia: ele é simplesmente o presidente da comissão de Comunicação da CNBB. Sabe não só das eventuais consequências de sua ação, como optou por fazê-la devidamente paramentado, nisso se distinguindo dos discursos não menos insufladores de felicianos e malafaias.

A irresponsabilidade tem que ter limites!

O que estão tentando fazer com este País vai muitíssimo além de querer investigações (seletivas) sobre corrupção e punição para culpados. Estão, isso sim, insuflando ódios e violência, aproveitando-se para isso de preconceitos lamentavelmente arraigados em grande parte da população e contra os quais todas as pessoas decentes deveriam estar lutando.

Ontem pela manhã, tive o desprazer de ouvir de um ‘doutor’ (adjetivo genérico que se atribuem muitos dos advogados, dentistas, engenheiros e médicos neste País) vomitar para uma plateia que salivava:

“Daqui a dois anos vamos ter um grande tumulto. Um dos chefes do panelaço  disse que no governo eles vão acabar com o Bolsa Família, porque 80% das bolsas vão para políticos do PT, até ricos e prefeitos! Tem nada de pobre, não!”  

Tenho ene restrições ao governo Dilma Rousseff. Só que todas estão alinhadas no extremo oposto das daqueles que mostram os dentes acusando sua campanha de corrupção e exigindo seu impeachment.

Nunca tive maiores ilusões com o que seria seu governo ou, mesmo, o de Lula. Não pensei que chegaríamos ao socialismo ou sequer perto dele. Mas jamais considerei a decepção dos dias hoje, que veríamos cada promessa, cada direito, cada compromisso com as lutas e os sonho de tantas e tantos descendo ladeira abaixo na subserviência ao capital.

A corrupção deve ser investigada e punida, sim! Toda e qualquer, tenha a cor e o partido que tiver. Mas não é disso que estamos falando.

Quem viveu o pré-1964 deve estar, como eu, com uma horrível sensação de já ter visto esse filme e suas trágicas consequências. Isso não pode vir a acontecer de novo. Não podemos recuar em tudo o que conquistamos.

Só canalhas totalmente irresponsáveis, que botam seus interesses e vaidades acima de qualquer outra coisa, podem continuar a alimentar esse monstro que nos ameaça a tod@s.

Acredito, sim, como muitas outras vozes que se têm levantado, que a luta por um mundo melhor se dará efetivamente nas ruas. Mas isso não significa desejar uma guerra fratricida. Em absoluto. É para ela, entretanto, que alguns parecem querer nos conduzir. Mas não seriam eles que sangrariam, caso isso acontecesse. Muito ao contrário. Na linha de frente estariam os que hoje já têm suas vidas sacrificadas de diferentes formas, do trabalho semelhante ao escravo ao assassinato por balas compradas com o dinheiro de todos nós.

Muitas famílias de classe média que em 1964 foram às ruas ‘marchando com Deus’, primeiro pedindo e depois comemorando o golpe, descobriram mais tarde o significado real da aventura à qual tinham sido levadas, quando seus filhos e filhas lhes foram tirados, desaparecidos, torturados, assassinados.

A grande maioria não passou por esse sofrimento, felizmente. Só que grande parte dela também nada aprendeu. Continuou ‘marchando’ e criando seus filhos para serem, hoje, os batedores de panelas que destilam seu ódio em restaurantes elegantes, em livrarias que se dizem de cultura, em algumas ruas e nas redes sociais.

Descobriram da forma mais hedionda o ‘gostinho da participação’. Só que, em vez de arriscarem suas vidas se manifestando contra o autoritarismo e pelos direitos sociais, tiram selfies e, muitos, pedem  até mesmo, descerebradamente, a volta do arbítrio, do medo, da violência.

Alguns acreditam que ganharão com isso um País ‘sem corrupção’, optando também por ignorar os escândalos ‘engavetados’ na ditadura e nos governos que a seguiram. Boa parte sonha mesmo com o momento em que poderão virar ‘elite’, inebriados pelo ‘luxo’ descortinado nas novelas, fantásticos e jornais nacionais. Se julgam sacrificados em prol de uma ‘gentinha’ que não presta, que não chegou ao mesmo patamar que eles porque não trabalhou, não deu duro, não ‘se sacrificou’. Uma gentinha que para eles vale menos na balança da vida ou, simplesmente, não presta.

A isso chegamos, com a despolitização, com a desmobilização, com a omissão e a inércia.

Não é o PT, Lula ou mesmo o (des)governo de Dilma Rousseff que estão em jogo. O que está sendo atropelado, como já disseram muitas vozes sérias e conscientes, é a Constituição que, mal ou bem, estabelecemos para este País. É a democracia. E qualquer ser ou instituição que ponha isso em risco é criminoso e não merece, em absoluto, ser respeitado ou acatado.

Esperemos que a CNBB tome providências quanto ao presidente da sua comissão de Comunicação. Que o Supremo Tribunal Federal volte a cumprir seu papel na defesa da Constituição. Acho difícil desejarmos que os meios de comunicação hegemônicos passem a atuar como deveriam, como concessionários de um serviço público, prestando informação verdadeira e de qualidade. Cuidar dessa questão foi (mais) uma coisa fundamental que os governos do PT deixaram de fazer. Contra isso, que cada vez mais vozes se levantem, usando os meios dos quais dispomos e através deles procurando alertar aquelas e aqueles que ainda têm neurônios para o diálogo.

O risco é grande, a dor é funda, mas a indignação também é. Façamos as nossas partes.

Comments (1)

  1. Belo texto, minha amiga. Vivemos tempos nebulosos, com mentes embaçadas pelas fontes de (des)informação de sempre. Mas, os dias voltarão a brilhar.

    Não é correto que joguem a água da bacia com o bebê dentro. Espero que não tardem a perceber isso.

    Vamos permanecer atentos.

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