Nota dos Diretórios Acadêmicos da UFRGS e PUC-RS em repúdio à ação violenta de racismo contra estudante indígena cotista da UFRGS (+vídeo)

“A presente nota é assinada pelos Diretórios Acadêmicos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

A agressão física motivada por racismo praticada contra o estudante indígena Kaingang, do Curso de Medicina Veterinária da UFRGS, Nerlei Fidelis, ocorreu na madrugada do dia 19 de março, em frente à Casa do Estudante do Campus Central de Porto Alegre. A ação criminosa foi registrada por imagens da câmera de monitoramento do local, divulgada largamente em redes sociais e meios de comunicação, gerando revolta e indignação. Nas imagens é possível ver o aluno cotista Kaingang Nerlei, e seu sobrinho Catãi sendo agredidos por aproximadamente 6 ou 7 indivíduos, dos quais a maioria foi posteriormente identificada como universitários do Curso de Engenharia da UFRGS e da PUC/RS, sendo um deles residente na Casa Estudante.

Os fatos criminosos ocorreram quando os indígenas se aproximaram do prédio, para buscar informações junto à portaria da Casa de Estudante sobre o outro sobrinho de Nerlei, que também residia no local. Neste momento, iniciaram as provocações de cunho racista, do grupo contra os dois indígenas – indagando: “o que esses indígenas estão fazendo aí?”.

Nerlei volta-se ao grupo solicitando explicações sobre quem havia proferido as ofensas e, após 5 minutos de discussão em meio a ofensas e ameaças, é surpreendido e agredido covardemente através de golpes e chutes. Seu sobrinho, Catãi, é afastado para o meio da Avenida João Pessoa, mesmo com a movimentação de veículos, sendo impossibilitado de ajudar seu tio a se defender das agressões físicas. Nerlei fica desacordado por aproximadamente 10 minutos, e então é socorrido por seu sobrinho que o auxilia a sair do local. As imagens da câmara de monitoramento denunciam a ação covarde sem a menor chance de defesa por parte dos dois indígenas. O crime foi registrado na Superintendência Regional da Polícia Federal no dia 22 de março, sendo aberto inquérito por tentativa de homicídio e injúria racial.

Nota-se que em nenhum momento os funcionários da Casa de Estudante intervêm na tentativa de evitar as agressões, ou de prestar qualquer auxílio aos agredidos, mesmo após o grupo ter fugido do local. O que torna evidente a omissão dos funcionários e responsabilidade da Instituição na perpetuação de práticas como estas, que expressam a discriminação institucional arraigada em nossa sociedade, marcada por desigualdades.

Ressaltamos que as Políticas Públicas de Ações Afirmativas de Cotas nas Universidades, têm como principal objetivo uma reparação histórica em relação a grupos socialmente excluídos, em decorrência de processos sistemáticos de opressão e subalternização. Além de possibilitar o ingresso nas Universidades, levando em conta princípios de justiça social, devemos considerar que a política de cotas promove a diversidade no ambiente universitário, o que beneficia toda a comunidade acadêmica e não apenas o estudante cotista. Também é necessário evidenciar a importância da figura do estudante cotista como um agente de transformação social, na medida em que ele pode vir a representar o grupo nos mais diversos espaços, anteriormente ocupados apenas por grupos socialmente privilegiados.

O caso do estudante indígena cotista Nerlei representa a infeliz realidade, diária, nos espaços públicos marcados pelo desrespeito à diversidade, o ódio classista e racista, no qual grupos socialmente excluídos estão expostos.

A conivência, descaso e omissão da sociedade como um todo e principalmente de agentes do poder público, diante de situações como esta, denunciam a perpetuação da discriminação institucional.

Neste sentido, os estudantes manifestam através desta nota o repúdio à crescente onda de práticas violentas de cunho discriminatório, racistas, xenofóbicas e homofóbicas, em especial direcionada aos alunos cotistas.

Da mesma forma, cobram a responsabilização das respectivas Instituições de Ensino – Universidade Federal do Rio Grande do Sul de acordo com o Regimento Geral, Título VIII – Do Regime Disciplinar, arts. 184; 185, inciso IV, que trata do desligamento discente, precedido de processo disciplinar; e, 189, dentre outros, assim como, o Regimento Geral da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Título VI – Do Regime Disciplinar arts. 148; 151, inciso III; 153, dentre outros, aplicando tais dispositivos aos estudantes universitários envolvidos no crime de racismo e tentativa de homicídio. Lembrando que já existe inquérito aberto e que o mesmo também será processado na esfera judicial.

Finalmente, que as Instituições de Ensino, além de aplicarem seus Regimentos Gerais, no que tange às sanções disciplinares de desligamento da Casa do Estudante e de seus respectivos cursos de ensino superior, primem por atuar de forma a garantir e promover o melhor aproveitamento e efetividade da Política Pública de Ação Afirmativa de Cotas através do seu alcance mais amplo de justiça social e inclusão, a partir dos princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana e igualdade basilares de um Estado Democrático de Direito e de Bem Estar Social”.

Assinam:

CEB – Conselho de Entidades de Base da UFRGS
DCE PUCRS – Diretório Central dos Estudantes da PUCRS
DCE UFRGS – Diretório Central dos Estudantes da UFRGS
CECS – Centro dos Estudantes de Ciências Sociais da UFRGS
DAIB – Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências da UFRGS
CAPP – Centro Acadêmico de Políticas Públicas da UFRGS
DAECA – Diretório Acadêmico de Economia, Contábeis e Atuariais da UFRGS
DAGE – Diretório Acadêmico da Geografia da UFRGS
DAQ – Diretório Acadêmico da Química da UFRGS
DAEMA – Diretório Acadêmico de Estatística e Matemática da UFRGS
CADAFI – Centro Acadêmico dos Alunos de Filosofia da UFRGS
CEENF – Centro dos Estudantes de Engenharia Física da UFRGS
DAEE – Diretório Acadêmico dos Estudantes de Enfermagem da UFRGS
Nós Críticos – Coletivo da Administração Publica e Social da UFRGS
Redescobrir – Chapa 01 Caar – CAAR – Centro Acadêmico André da Rocha da UFRGS
DAI – DIRETÓRIO ACADÊMCIO DA FACULDADE DE INFORMÁTICA da PUCRS
CADEL – CENTRO ACADÊMICO DEMOCRACIA E LUTA da PUCRS
CASTA – CENTRO ACADÊMICO TOMÁS DE AQUINO da PUCRS
DAB – DIRETÓRIO ACADÊMICO DA FACULDADE DA BIOLOGIA da PUCRS
CAAP – CENTRO ACADÊMICO ARLINDO PASQUALINI
DAFFA – DIRETÓRIO ACADÊMICO DA FACULDADE DE FARMÁCIA da PUCRS

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Vídeo feito pelo Coletivo Catarse sobre o ato em solidariedade ao estudante indígena na UFRGS

Veja também: 

Indigena Kaingang cotista é espancado na UFRGS

Destaque: Estudantes da UFRGS e PUC-RS protestam contra violência racista nas universidades e exigem providências quanto ao ataque a Nerlei Kaingang. Foto de Guilherme Santos /Sul21.

Vídeo encaminhado a Combate Racismo Ambiental por Jefferson Pinheiro. 

Comments (4)

  1. Até onde sei, a nível federal e na maioria dos estados o primeiro dos 4 L/níveis considerados nas cotas é sempre a escola pública, acrescida de declaração de renda de todos os integrantes da família/lar, seja a pessoa negra ou indígena.

  2. Lamentável, é o mínimo. Tenho questionamentos contra a política de cotas. O sua principal razão deveria ser de ordem econômica, dessa forma ninguém ficaria excluído dos seus objetivos. Quando a república brasileira exclui do acesso à universidade, por motivo étnico/racial, grupos sociais muito pobres acaba gerando um forte ressentimento, uma sensação de desprezo, esquecimento. Enfim, a república atiça e valoriza demasiadamente o quesito raça quando deveria ter o foco na exclusão da pobreza, afinal, ninguém tem méritos ou pecados por ser negro, índio ou filho/neto de português. Aliás, toda política de cotas – é assim no resto do mundo – tem prazo certo; aqui no Brasil tem universidade que já pratica política há mais de dez anos e ninguém fala em finalização ou transformação em cota puramente social – esse, o melhor caminho.
    De qualquer maneiro eu também repudio com veemência esse ato agressivo e implicou em agressão a um índio kaingang, estudante de veterinário, no rio Grande do sul.

  3. Obrigada, Jefferson. Vamos acrescentar à postagem e socializar também nas redes.

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