Megaprojeto estaria passando por cima de comunidades na Nicarágua

Tatiana Félix* – Adital

278 quilômetros de extensão, dois portos, uma ferrovia, um oleoduto e um aeroporto. A magnitude do projeto para a construção do Grande Canal Interoceânico da Nicarágua, quase três vezes maior do que o Canal do Panamá, impressiona. No entanto, na mesma proporção, serão os impactos ambientais, que devem afetar sete áreas protegidas, destruir 193 mil hectares de florestas, ameaçar o Grande Lago Cocibolca – o reservatório de água doce mais importante da América Central –, além de afetar a população do Território Rama e Krio, na costa Sul Caribe da Nicarágua.

O projeto, anunciado em 2013, deve passar por cima de comunidades e dividirá o país em dois, para conectar os oceanos Atlântico e Pacífico. Sua construção ficará a cargo da empresa chinesa de investimentos Hong Kong Nicarágua Canal Desenvolvimento.

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Apesar da empresa já ter entregado o estudo de impactos ambientais e sociais ao governo do país, as comunidades reclamam que não foram consultadas sobre a construção, nem informadas sobre os impactos que a obra trará para suas vidas. Em sua maioria, a população da região onde ficará Canal depende da agricultura, da caça e da pesca para a sua subsistência.

De acordo com a Anistia Internacional, em denúncia recente, mais de 50% da rota do Canal afetará comunidades indígenas e afrodescendentes do Território Rama e Krio. “É indignante que a Nicarágua se proponha a seguir adiante com um megaprojeto que destruirá a vida de muitas comunidades, sem sequer levar em conta a sua opinião”, afirma Erika Guevara, diretora do Programa da Anistia Internacional para a América, que critica ainda o fato das autoridades darem mais importância ao dinheiro do que aos direitos humanos fundamentais das pessoas.

Em março de 2015, organizações sociais e o Centro por Justiça e Direito Internacional (Cejil) denunciaram supostas violações de direitos humanos que envolvem a construção do canal interoceânico para a Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH), da Organização de Estados Americanos (OEA). “A concessão do canal, que inclui mais de 10 megaprojetos, foi atribuída a apenas um provedor, a quem foram entregues direitos exclusivos de desenvolvimento e operação potencialmente por mais de 116 anos”, afirma Luis Carlos Buob, advogado do Cejil.

Na ocasião, o advogado também denunciou que o projeto de lei do canal foi aprovado em um processo legislativo apressado, marcado por desinformação, falta de análise, ausência de consulta pública e violação à soberania nacional.

O presidente da Cáritas da Nicarágua e bispo de Jinotega, monsenhor Enrique Herrera, assinala, em entrevista à Adital, que o projeto não tem “fundamentos suficientes para alcançar a confiança da população”, e que um dos poucos benefícios seriam possíveis novos postos de trabalho para os nicaraguenses. Para ele, é importante que o povo afetado expresse sua inconformidade. “Não podemos ser um povo que aceite tudo sem fazer uso do seu direito. No entanto, é triste ver como o direito de expressão muitas vezes é arrebatado com violência”, analisa.

De acordo com o religioso, o impacto sobre a população afetada vai além do deslocamento de suas propriedades e de suas terras. Significa “arrancá-los de suas tradições e enraizada cultura campesina de nosso povo”.

Para alertar as comunidades do país sobre a magnitude do dano causado à natureza, a Cáritas Nicarágua está desenvolvendo um projeto de conscientização do meio ambiente através da encíclica do Papa Francisco, Laudato si’ [Louvado sejas], que tem o objetivo de capacitar representantes de cada comunidade na luta contra a grande obra.

Acompanhe informações sobre o andamento e os impactos do projeto AQUI.

*Colaborou Cristina Fontenele.

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