Especialistas criticam recomendação de MPF para universidades coibirem protestos sobre impeachment

Por Natalie Garcia, no Justificando

Na última segunda (4), o Ministério Público Federal publicou a Recomendação nº 75, em que os procuradores Ailton de Souza e Cláudio Siqueira indicam à Universidade Federal de Goiás que “não realize nem permita, em suas dependências físicas, nenhum ato de natureza político-partidária”, favorável ou contrário ao impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Para a instituição, os atos são “ilícitosincompatíveis com a Administração Pública e vedados pelo ordenamento jurídico pátrio”.

Segundo os Procuradores signatários, o Ministério Público Federal teria a competência e legitimidade para cobrar as universidades acerca de quais protestos poderiam ser realizados ou não. Por isso, propuseram que nenhum protesto contrário ao impeachment fosse realizado na recomendação, cuja redação deixa claro a posição política contra o governo de Dilma Rousseff.

As ordens foram amplamente criticadas nas redes sociais. “Recomendação-mordaça”, apontou o juiz de Direito e colunista do Justificando Marcelo Semer sobre o texto, uma vez que, muito embora não possua força legal, sirva como “ameaça à instituição”, explica. Caso a UFG receba evento “político-partidário”, poderia então receber ação de improbidade – “um abuso, por evidência”.

Quem define o que são atos políticos-partidários?

Para a professora de Direito Processual Penal da FGV e também colunista do Justificando Maíra Zapater, é questionável a classificação de um ato em “político-partidário”. Para ela, o termo é muito abrangente. E afirma: “o texto não só extrapola as funções do Ministério Público, como viola o direito de manifestação, liberdade de expressão e de posicionamento político”.

A recomendação dos procuradores da República também deixa em aberto qual seria, então, a função da Universidade Pública, senão um espaço para discussão – seja ela de natureza política, partidária ou qualquer outro assunto pertinente à vida pública. Como bem lembra Semer, a “Universidade pública é um lugar plural; como fazer algo da dimensão de um impeachment sem que a sociedade possa participar e sem que universidades possam estar abertos à discussão?”

Semer também chamou atenção à maneira como os procuradores classificam os grupos contrários e favoráveis ao impeachment. De um lado, existem“grandes manifestações de brasileiros que pugnam pela cassação do mandato do chefe do Executivo Federal” e, de outro, “protestos de grupos adversos ao impeachment”. Basicamente, são divididos entre cidadãos da pátria e sujeitos sem classificação, a velha dicotomia do “nós” e o “eles” que, por si só, pode gerar a classificação de um evento como um ato legítimo e, outro, como ilegal.

Equipamento público só pode ser usado para determinados fins

Expõe-se a velha seletividade, mais uma vez, quando a questão é o uso de equipamentos públicos para fins pessoais, familiares ou partidários ou não. Ainda que todos usem seus computadores para enviarem emails, trocarem mensagens ou publicarem fotos em redes sociais, ou seja, usem os equipamentos para fins particulares, incomoda aos procuradores, estritamente, o uso político dos aparelhos.

Segundo o advogado e pós-graduando em Direito e Tecnologia da Informação Marcelo Frullani Lopes, se a ideia for interpretada ao pé da letra, até mesmo postar um gif ou conversar com alguém, sendo um funcionário público que utiliza equipamento público, pode ser considerado ilegal. “Se for para seguir essa lógica de qualquer uso do bem público por funcionário viola a Constituição, então teremos que punir não só aquele que entra no facebook e emite opinião política, mas também aquele que entrou na internet para ver uma notícia ou então mandar um email”, e emenda Frullani, “o que seria mais ou menos 110% dos funcionários”, brinca.

“Acho que a recomendação do MPF deixa aberta a possibilidade de punir um funcionário que usa o computador da instituição pública para isso. Mas, não exatamente porque está postando algo relacionado à política, mas sim porque está usando um bem público com desvio de finalidade”, finaliza.

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