Não é possível banalizar o que está acontecendo neste País

Por Vanessa Batista Berner

Tive uma noite medonha. Dormia, acordava, chorava. Simplesmente não consigo parar de pensar na menina estuprada por um bando de criminosos, em coma por causa da violência. Pensava em mim aos 18 anos; nas minhas amigas; nas nossas filhas; nas minhas alunas; nas meninas que encontro pela rua…

Penso nos sonhos dessa moça tão barbaramente violentada, no que vai ser dela se sobreviver, na mãe dela, nas amigas dela, na família toda. Penso no que ela teria no futuro, no que foi tirado dela, no que nunca mais ela terá nem será por causa da violência que sofreu.

Não estou sabendo lidar com essa dor.

É preciso transformar isto em algo que melhore o sofrimento das pessoas. Não é possível viver no meio desta crueldade e banalizar o que estamos assistindo neste país.

Não é possível desconectar este episódio do fato de um “ministro da educação” de um (des)governo ilegítimo ter recebido um analfabeto misógino, um apólogo da cultura do estupro, com sua gangue de ignorantes para falar de educação. Não podemos desvincular isto de um (des)governo que sepulta os ministérios de direitos humanos, das mulheres e da igualdade racial num país recordista de violações de direitos dos negros e das mulheres.

Não podemos separar este fato de termos um legislativo religioso, fundamentalista e atrasado que odeia mulheres, que chafurda na corrupção, cujo único interesse é usar o poder como instrumento de opressão e de obtenção de vantagens pessoais.

Não podemos tratar deste estupro sem pensar no judiciário que avaliza os atos sórdidos desse executivo e legislativo com a capa mal ajambrada do tecnicismo.

Não podemos deixar de mirar nesta sociedade que naturaliza o ódio, a misoginia, o individualismo, o consumismo, o desamor, e aplaude a violência como solução, seja ela feita com as próprias mãos, seja por meio do aparato repressivo de um estado em ruínas. Uma classe média que pede a volta da ditadura, que clama pela perda de direitos dos pobres, dos negros, dos excluídos. Uma gente que pede e comemora a ruptura da institucionalidade por capricho, por ignorância, por ser mais cômodo apontar o dedo para o outro do que formar a própria consciência.

Esta moça foi estuprada por trinta homens, pelo Estado brasileiro, pela sociedade golpista e antidemocrática. Todos estão com as mãos sujas.

Nós, os que não participamos desse festim macabro, temos que nos organizar ainda melhor para desconstruir essa cultura de ódio, esse discurso de gênero, essa ideologia fascista. Temos que refundar este Estado, que nos reapropriar da democracia. Nosso luto precisa ser transformado em algo positivo. Ou passaremos a vida sem esperança, as noites em claro, chorando pelas vítimas que não conseguimos salvar…

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