Prato típico brasileiro: Fritar os pobres para sair de uma crise, por Leonardo Sakamoto

No blog do Sakamoto

Você comprou uma TV LED de 60 polegadas e, por isso, sente-se – finalmente – no mesmo patamar de respeitáveis cidadãos que já tinham uma em casa. Justo, deu seu suor para isso. Mas está preocupado com as prestações porque endividou-se com a mensalidade do plano de saúde mequetrefe que, aliás, sempre te deixa na mão. Plano, claro. Afinal, você subiu um pouco na vida, não é mais “pobre” e não quer fazer com que sua família tenha que enfrentar a fila do SUS.

Ao mesmo tempo, está com a corda no pescoço pela dívida contraída com a sua faculdade caça-níqueis de qualidade duvidosa – que você escolheu ao acreditar na propaganda enganosa no jornal. Até porque a educação básica universalizou-se, mas a qualidade não acompanhou. Se ainda você tivesse dinheiro na época para pagar um colégio particular ou um cursinho e, portanto, passar em uma boa universidade pública para fazer aquele sonhado curso de medicina, vá lá.

Tudo aprofundado pela crise econômica em que estamos, gestada pelo governo de Dilma Rousseff.

Daí, você liga a TV e vê um especialista explicando as propostas do Plano Temer, nesta terça (24), a fim de limitar o crescimento nos gastos públicos com educação e saúde. Escuta ele defender que esses sacrifícios são fundamentais para o ajuste de contas do país – mesmo que não diga uma única palavra sobre aumentar impostos e taxas e passar a fatura também aos habitantes do andar de cima. Na verdade, o noticiário inteiro não fala nada sobre essa possibilidade, de chicotear ricos na mesma medida que pobres.

Qual o seu sentimento diante disso?

Há quem respire aliviado e pense “Pô, agora esse país vai pra frente” ou “Finalmente, estava na hora de por um freio nesses gastos inúteis”, comprando um discurso que não combina com sua classe social, condição econômica ou mesmo com o fato que (sobre)vive de trabalho e precisaria de serviços públicos de qualidade. Balança a cabeça em sinal de aprovação com os próprios pensamentos, ignorando que o Inconsciente, lá no fundo, grita a plenos pulmões “Ahã, Claudia, senta lá”.

Fazemos parte do seleto grupo de países ricos com altíssima concentração de riqueza e respeito insuficiente aos direitos humanos. Situação que não vai mudar tão cedo – ainda mais agora, com a proposta de limitar os gastos com educação e saúde, que afetarão os mais pobres.

O Brasil é um país rico sim. O problema é que ele continua na mão de poucos. Enquanto isso: a) O PIB subiu nos últimos anos (mesmo que menos que o esperado) e fluiu mais para as mãos dos que puderam comprar ações do que daqueles que dependeram de salário mínimo ou de programas de distribuição de renda; b) A educação foi sendo universalizada – contudo a extensão de sua abrangência não é acompanhada pela sua qualidade, nem de longe; c) Vive-se mais, mas não necessariamente melhor. Posso debater com quem discorda disso na fila de um hospital público enquanto aguardamos para ouvir que até a gaze acabou.

Quando tratamos do tema por essa ótica, sempre aparece a cantilena que “a população tem que entender que as mudanças vão beneficiar a todos. Não agora. Em algum momento”.

Os economistas da ditadura falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Por isso, apesar de você ter ajudado a produzir o doce tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Algum dia.

Novamente, agora, dizem que a mudança é passageira, até que as contas se resolvam. “Ahã, Claudia, senta lá”, novamente grita o Inconsciente.

O melhor de tudo é o tom professoral (“A população tem que entender”) que vez e outra aparece, como se os que defendessem esse ponto de vista fossem seres iluminados dirigindo-se para o povo, bruto e rude a fim de explicar que aquilo que sentem não são efeitos de uma educação e saúde ruins. Mas sim sua contribuição com os ajuste fiscal para que sejam honrados os compromissos do país. Agora, fazer auditoria da dívida brasileira que é bom, governo nenhum, tucano, petista ou peemedebista, topou fazer. Mudar a política de juros, muito menos.

O debate sobre a economia é uma discussão sobre a qualidade de vida. Que só será efetivo caso não exclua a população mais pobre dos benefícios trazidos pelas mudanças e não seja resultado da dilapidação dessa mesma população.

A pergunta que temos que fazer é: estamos conseguindo dividir o bolo, não por igual, mas com ênfase em quem mais precisa por ter sido historicamente dilapidado? Estamos conseguindo diminuir a concentração de renda na maior velocidade possível ou poderíamos ir além e implementar medidas para que não apenas os filhos dos mais pobres usufruam de uma boa vida em um futuro distante, mas eles próprios, aqui e agora? Estamos, pelo menos, fazendo que o pato seja pago por todos e não apenas por aqueles que trabalham hoje para comer amanhã?

Há quem lide com economia como se jogasse xadrez, aceitando que a qualidade de vida dos mais pobres são peões que podem ser sacrificados em nome da vitória. Não se atentam que, ao pensar dessa forma, já perderam.

Você se importa com tudo isso ou já te convenceram que, mais importante que discutir o seu futuro e o de seus filhos, é comprar uma TV maior?

 

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