Como diz o juiz Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, “diante do longo processo de demarcação, com ampla participação de interessados, o autor, no mínimo, era sabedor de que se tratava de terras tradicionalmente ocupadas por índios, em litígio, fazendo posse ilícita, e de má-fé, sobre bem imóvel da União”. (TP)
Por Paulo Victor Fanaia Teixeira, no Olhar Jurídico
O juiz da Oitava Vara Federal de Cuiabá, Raphael Cazelli de Almeida Carvalho, julgou improcedente a ação movida pelo empresário Valdir Agostinho Piran contra a Fundação Nacional do Índio (Funai). Ele pleiteava a suspeição da declaração de posse dada [sic] a indígenas de uma terra de aproximadamente 32.069 hectares, denominada “Terra indígena Cacique Fontoura”, localizada nos municípios de São Felix do Araguaia e Luciara. Cerca de 9,8 hectares das terras são parte de uma fazenda do empresário [sic], denominada Fazenda Piran, avaliada em R$ 40 milhões. A decisão é datada de 15 de junho.
Ainda, trouxe consigo nos autos documentos que comprovariam a posse da terra, em especial Título Definitivo com Registro Torrens e a Certificação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
A Funai, por sua vez, rebate a tese de não haver ocupação indígena nas terras da Fazenda Piran, demonstrando laudos antropológicos fornecidos por meio de ação cautelar, além de relatórios do próprio órgão, atestando que “os Karajá vivem nessa região do médio Araguaia desde o século XVI, como vimos na 1ª parte. A microbacia do lago Fontoura especificamente, território contido na proposta da TI Cacique Fontoura é comprovadamente explorada, em caráter ininterrupto, pelos Karajá do médio Araguaia pelo menos desde o início do século XIX”.
Decisão:
Diante do exposto, o magistrado Raphael Cazelli de Almeida Carvalho julgou improcedente a ação do empresário. Ainda, condenou Piran ao pagamento das custas e honorários advocatícios fixados em R$ 10.000,00.
Consta do texto de decisão ainda que a Fazenda Piran (antiga Fazenda Fabiana) foi adquirida pelo autor em 06/04/2006 do então proprietári Odecio Henrique de Melo.
Porém, “tal aquisição se deu após o processo de demarcação da TI Cacique Fontoura, ocorrida em 13/11/2002 […] que cumpriu todos os ditames do Decreto 1775/1996, com ampla divulgação através da imprensa oficial, e participação de proprietários e população local, permitindo aos interessados inequívoca ciência. Se não bastasse, tal compra também se deu posteriormente a sentença homologatória, que confirmou a ocupação tradicional de indígenas, através de laudo antropológico”, consta da decisão.
Ainda segundo o juiz, a Constituição Federal garante que áreas indígenas são inalienáveis, de modo que o fato do autor possuir Título Definitivo com Registro Torrens, datado de 1960, e Certificação do Incra, datado de 2006, não lhe emana nenhum direito, já que a Constituição garante a estas terras a característica da inalienabilidade e indisponibilidade, prevalecendo o direito originário do indígena”.
Momento seguinte, sobre a indenização por benfeitorias, o magistrado avalia que “diante do longo processo de demarcação, com ampla participação de interessados, o autor, no mínimo, era sabedor de que se tratava de terras tradicionalmente ocupadas por índios, em litígio, fazendo posse ilícita, e de má-fe, sobre bem imóvel da União”.
E conclui, “assim, não há que se presumir boa-fé na ocupação do autor, não havendo que se falar em retenção e indenização por benfeitorias”.