Falta apenas um mês: segurança olímpica para quem?

Adam Talbot – RioOnWatch

Daqui a um mês, quando os Jogos Olímpicos forem oficialmente inaugurados, a cidade espera receber 10 mil atletas, 30 mil jornalistas e centenas de líderes mundiais, ao mesmo tempo em que uma platéia de cerca de 4 bilhões de pessoas em todo o mundo acompanhará pela televisão. Inevitavelmente, isso vai significar um grande foco em segurança durante o evento. O terrorismo é uma preocupação em particular e, desde o 11 de setembro de 2001, os orçamentos de segurança para Jogos Olímpicos aumentaram para níveis beirando o ridículo, com mais de 1 bilhão de dólares gastos regularmente para garantir a segurança das Olimpíadas.

Historicamente, houve apenas dois incidentes de terrorismo nos Jogos Olímpicos: o sequestro e assassinato de israelenses pelo grupo paramilitar palestino “Setembro Negro”, nos Jogos de Munique, em 1972, e em 1996, quando uma bomba foi plantada no Parque Olímpico Centennial de Atlanta por um grupo terrorista antiaborto, que esperava interromper as Olimpíadas, e acabou matando uma pessoa e ferindo mais de cem. O terrorismo, na história de 120 anos dos Jogos Olímpicos, foi responsável pela morte de 13 pessoas, em comparação com as mais de 2500 pessoas mortas pela polícia do Rio desde 2009, quando foi anunciado que o Rio seria a sede dos Jogos de 2016.

Nos últimos meses, vários artigos jornalísticos evidenciaram temores em relação à segurança durante os Jogos do Rio, citando ao mesmo tempo figuras proeminentes do comitê organizador e detalhando seus planos para a segurança. Esses detalhes incluem 85.000 agentes de segurança, o dobro do número mobilizado para garantir os Jogos de 2012 em Londres. Para os sociólogos Phillip Boyle e Kevin Haggerty, a segurança dos megaeventos tornou-se um espetáculo por si só, em que medidas de segurança cada vez mais visíveis e impressionantes são implantadas como “parte de um projeto consciente de tranquilizar o público que visa moldar uma imagem segura dos lugares dos eventos”. Para os Jogos de Londres 2012, bases para mísseis aéreos foram instaladas por toda a cidade, como parte da operação de segurança das Olimpíadas.

Em seu último livro sobre a história política das Olimpíadas, Jules Boykoff argumenta que esse é o propósito do programa da UPP. Não é para garantir a segurança das favelas em benefício dos moradores, mas a presença de policias com grandes armas visa tranquilizar os turistas internacionais preocupados com segurança–uma política concebida “para inglês ver”.

A cidade do Rio de Janeiro, contudo, é tão dividida, que os conflitos entre a polícia e os traficantes em algumas favelas e décadas de violência do Estado sofridas pelos moradores das comunidades dificilmente afetarão os turistas, mesmo aqueles que visitam as favelas. Entretanto, isso não impediu que ideias preconceituosas levassem o Comitê Olímpico Australiano a uma impressionante demonstração de ignorância, ao proibir todos os seus atletas de visitar qualquer favela. Da mesma forma, notícias recentes na mídia internacional parecem insinuar que a violência nas favelas, de alguma forma, torna os Jogos Olímpicos menos seguros para participantes e espectadores, quando, na verdade, a violência induzida pelo tráfico de drogas pouco tem a ver com furtos ou outros tipos de violência que afetam os turistas do Rio, evidenciando uma tendência da mídia internacional em focar desproporcionalmente em violência quando se fala das favelas da cidade.

Custos com segurança e legados

O custo total para a segurança de uma Olimpíada é de chorar. Encontrar um custo exato para os jogos do Rio é difícil, já que o governo federal irá prover as forças armadas e policiais. Esse é um exemplo clássico de contabilidade olímpica, em que o custo dessa provisão pelo governo federal não é especificado dentro do orçamento olímpico. Estimativas iniciais colocam o custo da segurança do evento em R$1 bilhão, incrivelmente baixo considerando a conta de segurança de Londres em 2012, de 1 bilhão de libras (R$5 bilhões). Assim como acontece com todos os orçamentos olímpicos, esse valor certamente irá aumentar depois do evento.

Para os Jogos Olímpicos de Atenas, em 2004–a primeira Olimpíada realizada depois dos ataques terroristas do 11 de setembro–as forças de segurança americanas pressionaram o governo grego a gastar 1 bilhão de dólares em segurança. Era para Atenas ter um sistema de segurança integrado de última geração, do tipo que agora pretendem implementar para manter o Rio seguro durante os Jogos. Entretanto, apesar do enorme custo, o sistema de Atenas foi tão mal organizado que não estava operacional durante o evento. O dinheiro gasto em segurança faz parte de um legado de segurança determinado para longo prazo. As Olimpíadas há muito apresentam aos governos e forças policiais a oportunidade de adquirir novas tecnologias de policiamento e mantê-las em uso depois, de acordo com Boykoff. No caso dos Jogos de Londres 2012, isso incluiu tecnologias de uso militar, como um Dispositivo Acústico de Longo Alcance.

Segurança para Quem?

Enquanto as cidades anfitriãs argumentam que este legado de segurança é necessário para manter os cidadãos a salvo de ameaças como o terrorismo, a experiência anterior mostra que essas tecnologias de segurança também se voltam contra os cidadãos, em particular os ativistas políticos. Em Vancouver, o sistema integrado de segurança classificou pacíficos manifestantes–que protestavam contra os Jogos Olímpicos de 2010–como terroristas, com o propósito de proteger o evento. Em consequência disso, alguns ativistas que lideravam os protestos foram seguidos pela polícia durante os Jogos.

Esses acontecimentos podem muito bem ser repetidos no Rio devido à repressiva lei antiterrorismo aprovada pelo governo federal, que considera manifestantes como terroristas, e que atraiu fortes críticas por parte de movimentos sociais, que a consideram uma violação do direito de protestar. As forças de segurança já estão colocando em prática suas respostas a protestos e motins, e as Forças Armadas serão capazes de bloquear celulares durante os Jogos. Esses atentados às liberdades civis também constituem parte do legado de segurança dos Jogos.

Durante os Jogos, cerca de 38.000 militares do Exército serão enviados ao Rio, e se especula que favelas como o Complexo da Maré podem ser ocupadas durante o evento. Esse tipo de abordagem para a segurança é contraproducente. Embora possa tranquilizar alguns visitantes internacionais, torna a vida muito mais perigosa para os moradores, como foi documentado por grupos como Maré Vive, quando o Exército ocupou a favela por quinze meses, antes da Copa do Mundo de 2014.

Nos últimos anos, esse tem sido o objetivo principal por trás da política de segurança do Rio–fazer a cidade parecer segura para os visitantes internacionais. Mas esse objetivo significou o legado da securitização e da militarização, que terá um impacto prejudicial a longo prazo para os moradores mais vulneráveis da cidade. A segurança de turistas por 17 dias em agosto foi priorizada ao invés da segurança a longo prazo dos cidadãos.

Adam Talbot é um pesquisador de doutorado no Centro de Estudos de Esportes, Turismo e Lazer da Universidade de Brighton, no Reino Unido. Ele está realizando um projeto etnográfico com foco em movimentos sociais e ativismo nos Jogos Olímpicos Rios 2016.

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