Povos indígenas do Ceará trancam trecho da BR-222 reivindicando demarcações e contra retrocessos

CIMI

Cerca de 300 indígenas de oito povos distintos do Ceará bloquearam na manhã desta sexta-feira, 8, um trecho da BR-222, na altura do município de Caucaia. A ação atende ao chamado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) que destacou este mês para mobilizações país afora contra os retrocessos apresentados pelo governo do presidente interino Michel Temer na política indigenista. As lideranças indígenas afirmam que não reconhecem o governo Temer e manterão o trancamento até o final da tarde.

No estado, que tem a presença de 14 povos, dos 24 territórios indígenas com processo de demarcação em curso apenas a Terra Indígena Tremembé teve a homologação publicada. “A regularização fundiária no Ceará é uma vergonha. Então nessa mobilização nacional reivindicamos a conclusão das demarcações como forma de dizer que não aceitaremos o enfraquecimento da Funai (Fundação Nacional do Índio), que é o órgão responsável pelos estudos das terras, e exigimos que os nossos direitos sejam atendidos”, explica Ceiça Pitaguary.

Para o professor Weibe Tapeba, o fato do ministro da Justiça Alexandre Moraes ter negado que o general da reserva do Exército Sebastião Roberto Peternelli assumirá a presidência da Funai não minimiza os efeitos do protesto: “Com nossa pressão, o governo viu que não daria para militarizar a Funai, mas está evidente pra gente que o PSC é o partido que loteou a indicação. Não vamos aceitar porque o PSC é o partido inimigo dos povos indígenas, onde tem latifundiário, militar”, explica.

Os indígenas protestam também contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que transfere do Executivo para o Legislativo as demarcações de terras indígenas sob o entendimento do Marco Temporal, e em repúdio à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Federal que investiga as demarcações de terras indígenas e quilombolas realizadas pela Funai e Incra, criminalizando organizações indigenistas e antropólogos.

As lideranças indígenas presentes no trancamento entrevistadas afirmam que coordenações locais da Funai devem ser extintas, conforme servidores do órgão os informaram, e a coordenação do Ceará deverá ir para outro estado. “Protestamos também contra essa reestruturação do governo Temer pra Funai. Dá para chamar assim. Isso tem sido ruim pra garantia de nossos direitos territoriais e ainda será muito pior se seguir adiante. Então estamos com a mobilziação nacional dos povos indígenas, a partir de nossos povos, de nossas organizações sociais”, diz Weibe Tapeba.

Para a liderança indígena, a demarcação da Terra Indígena Tapeba, localizada em Caucaia, é emblemática no Ceará. Desde 1985, quatro estudos de demarcação foram realizados. O impedimento, segundo Weibe, parte sobretudo de decisões judiciais contra a finalização do procedimento. “A última suspensão da demarcação foi a do Tribunal Regional Federal que fica em Recife (TRF-5). Em fevereiro desse ano assinamos um acordo com os governos municipal, estadual e federal para destravar a demarcação e esperamos que eles cumpram os prazos”, afirma Weibe.

Impactados pela construção do Complexo Industrial e Portuário de Pecém, contabilizando centenas de desalojos, o povo Anacé se juntou ao ato. O agente de saúde Junior Anacé avalia que o momento é “muito importante porque os retrocessos são muitos e então estamos de mãos dadas com os demais povos reivindicando nossos direitos”. A liderança Anacé diz que além de Pecém, os povos indígenas do Ceará sofrem com os imapctos de dois outros grandes empreendimentos estatais: a Transnordestina (linha férrea) e a Transposição do Rio São Francisco.

“Temos de levar essas mobilziações pra Brasília, além dos estados. As escolas indigenas sofrem com ameaças de municipalização e a Funai precisa de mais recursos para garantir o que a Constituição afirma como direito nosso. O que vemos é o contrário: ataques contra a Funai, ataques contra a Constituição. Por isso já vinhamos criticando o governo Dilma e agora dizemos que esse governo golpista do Temer não reconhecemos. Fora Temer!”, atacou Junior Anacé.

A Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme) está na organização do ato público como parte das organizações indígenas que compõem a Apib. Novas mobilizações deverão ocorrer na próxima semana nos estados que abrangem o raio de ação da Apoinme como parte deste mês destacado para protestos em defesa dos direitos indígenas.

Comunidades tradicionais no ato

A comunidade tradicional de Sabiaguaba enviou uma delegação para se somar aos povos indígenas no trancamento da rodovia. “A gente passa por esse mesmo processo dos indígenas. Nossa comunidade não é reconhecida e querem nos tirar do lugar em que vivemos que tem até sítio arqueológico com datação de mais de 4 mil de anos”, explica Ronieli Sabiaguaba. O governo do estado do Ceará alega que a área ocupada pela comunidade de pescadores é um parque de proteção ambiental.

“A Semam (Secretaria de Meio Ambiente) afirma que não somos uma comunidade tradicional porque não somos tão tradicional assim. Dizem que é um parque, mas tem projeto de loteamento. Como pode um loteamento de Fortaleza num parque? Dizem que somos até tradicionais, mas devemos sair dali e ir para outro lugar”, diz Ronieli.

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