Recomendação do Consea nº 009/2016
Recomenda ao Supremo Tribunal Federal que seja feita revisão da decisão que anulou o processo de demarcação da terra indígena Guyraroká, em Mato Grosso do Sul
O CONSEA, no uso de suas atribuições legais definidas no artigo 2º do Decreto nº 6.272, de 23 de novembro de 2007, com base na Exposição de Motivos 002/2014;
Considerando a grave situação de extrema violência em que se encontram os povos Indígenas no Mato Grosso do Sul, que vem sofrendo constantes violações dos direitos humanos;
Considerando que as constantes violações dos direitos humanos dos povos indígenas Guarani Kaiowá vem sendo tema dos debates no Consea desde 2008, que já encaminhou a esta corte a Recomendação Consea Nº 13/2015, solicitando brevidade ao julgamento do Mandado de Segurança nº 25.463, devido ao impacto dessa decisão sobre o direito humano à alimentação adequada desses povos;
Considerando que o Consea já encaminhou outras Recomendações a órgãos de outros poderes da República, como a Nº 015/2015, Nº 016/2015, Nº 017/2015, Nº 018/2015, Nº 019/2015 e Nº 20/2015, solicitando medidas emergenciais de defesa dos direitos dos povos indígenas da etnia Guarani Kaiowá do estado do Mato Grosso do Sul;
Considerando que o Consea enviou, também, duas Recomendações com o mesmo teor para a Organização dos Estados Americanos (OEA) e outra para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas;
Considerando que os dados e estatísticas já demonstravam a frágil situação dos povos indígenas Guarani Kaiowá, como os do Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas – 2011, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), que registra 503 assassinatos de indígenas entre 2003 e 2011 no país, e que desses, 279 são do povo Guarani e Kaiowá;
Considerando os dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), da Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde, apontam 555 casos de suicídio desse grupo entre 2000 e 2011;
Considerando que, não obstante as denúncias de violações, elas continuam acontecendo, sendo que no último semestre ocorreram 25 ataques contra os Guarani Kaiowá na região;
Considerando que, de acordo com a Nota Técnica do CIMI/FIAN Brasil, sobre os ataques aos Guarani Kaiowá em 14 de junho de 2016, a área de retomada do Tekohá Touro Passo, próxima ao Tekohá Tey Jusu, na região do município de Caarapó, estado do Mato Grosso do Sul, sofreu ataque paramilitar realizado por fazendeiros e milícias;
Considerando que a área que sofreu o ataque paramilitar encontra-se dentro da Terra Indígena Dourados Amambaí-Peguá, localidade reconhecida pelo Estado Brasileiro em maio deste ano como sendo território indígena por meio de publicação pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação;
Considerando que o ataque resultou na morte do agente de saúde indígena Clodiodi Aquileu Rodrigues de Souza Guarani-Kaiowá, de 26 anos de idade, além de outros dez indígenas feridos à bala, incluindo uma criança de doze anos baleada no abdômen, além de duas crianças que foram reportadas com queimaduras graves;
Considerando que os indígenas continuam sitiados na área e ainda é grande o risco de novos ataques;
Considerando que outros ataques e ameaças têm sido realizados contra os Guarani Kaiowá do estado neste mesmo período, como na área de retomada de Guaiviry, localizada próxima ao município de Aral Moreira, a emboscada a tiros em Pylliot Kue, no tekoha Potrero Guasu e na comunidade Kurusu Ambá, quando pessoas armadas formaram um cerco em volta da comunidade;
Considerando que a decisão desta corte em anular o processo de demarcação da terra indígena Guyraroká, em Mato Grosso do Sul, como consequência do chamado “marco temporal”, quando é sabido que os indígenas sempre viveram nesse território, e que, portanto, por justiça, têm o direito de lá permanecerem;
Considerando a antiga reivindicação dos povos indígenas de que a designação para a presidência da Funai seja referendada pelo movimento indígena organizado no Brasil, a fim de que não haja retrocesso aos direitos dos povos indígenas;
Considerando que os ataques aos povos indígenas do estado do Mato Grosso do Sul está acontecendo porque os Guarani Kaiowá estão fazendo resistência a retirada de seus direitos, inclusive os territoriais;
Recomenda a esta egrégia Corte a revisão da decisão que anulou o processo de demarcação da terra indígena Guyraroká, que atendeu ao pedido de impugnação da Portaria nº 3219, de 7 de outubro de 2009, do Ministério da Justiça, que havia declarado a posse do grupo indígena Guarani Kaiowá sobre a área de mais de 11 mil hectares.
Brasília, 06 de julho de 2016.
Maria Emília Lisboa Pacheco
Presidenta do CONSEA
–
Menina Guarani Kaiowá. Foto encontrada na internet, sem detalhes de autoria.