Vídeo valoriza mulheres que resistem aos impactos do racismo em seus e corpos e territórios

Produção registra ato final de um processo de cartografia social realizado em Manguinhos e no Caju, áreas periféricas da cidade do RJ

Por Gilka Resende¹, na Fase

No marco do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, 25 de julho, o programa da FASE no Rio de Janeiro, o Laboratório de Imagem da UERJ, a Justiça Global e o coletivo Couro de Rato destacam em vídeo a luta de avós, mães, filhas e netas contra o racismo, o machismo e a desigualdade social. Na produção, elas expõem, de diversas formas, as inscrições da violência em seus territórios e corpos. Trata-se do registro de um ato que fez parte de um processo de cartografia social, no qual ruas, becos e esquinas ganharam novos significados por meio dos olhares de moradoras de favelas e periferias da cidade.

Ao longo de 2015, atividades de educação popular envolveram mulheres de Manguinhos e do Caju, além de pesquisadoras acadêmicas e de ativistas de direitos humanos. Rachel Barros, educadora da FASE no Rio de Janeiro, destaca que a militarização dos espaços pobres e periféricos da cidade atinge especialmente os moradores de favelas, que representam 22% da população do Rio de Janeiro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Quem mais vive os efeitos da violência do Estado são as mulheres. São elas que permanecem nos territórios, que enfrentam as consequências da perda dos filhos e das remoções [de moradias]. Também são elas que protagonizam os principais processos de resistências à violência institucional, ao racismo empregado pela polícia”, exemplifica.

Levantando a voz por justiça

A partir desses encontros e construção de saberes, as mulheres passaram a conhecer mais canais de denúncia, se tornaram multiplicadoras de informações sobre violações de direitos e estabeleceram parcerias com outras organizações e movimentos sociais. “Nós não somos coitadinhas, dignas de pena! Somos guerreiras”, ressaltou Mônica Cunha, que perdeu seu filho Rafael da Silva Cunha, aos 20 anos, em 2006. “Aos 15 anos ele cometeu ato infracional e foi apreendido. Aos 20 anos, foi executado por um policial. Estava de joelhos, com as mãos para cima, pedindo para ser preso. Garotos que roubam celulares não devem ser assassinados! Não é para achar bonito, passar a mão [na cabeça]. Mas não é para matar”, protesta.

Além do ato público, realizado no dia 9 de dezembro de 2015, o vídeo “Mulheres Negras: histórias de luta na cidade“² chama atenção para os impactos dos processos de elitização de áreas urbanas. O depoimento de Ana Paula de Oliveira demonstra que o exercício de olhar para suas próprias histórias fortalece a voz das mulheres. Ela, que também perdeu seu filho para o “Estado racista”, diz que seu grito “é de dor, amor e luta”. “Nós, pobres e moradores de favelas, só temos Justiça quando é para nos prender, para nos punir. Não conhecemos a Justiça de outra forma”, lamenta. Johnatha de Oliveira foi assassinado em 2014, aos 19 anos, após levar um tiro nas costas. Os criminosos até o momento não foram julgados.

Mulheres negras e de luta

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha foi instituído em 1992, na República Dominicana, com a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas. No Brasil, a Lei nº 12.987, sancionada em 2014, nomeou a data como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. Segundo informa a Fundação Cultural Palmares, entidade vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), Tereza de Benguela foi liderança de uma comunidade negra e indígena que resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770. Nesse ano, o quilombo foi destruído e seus integrantes, 79 negros e 30 indígenas, foram mortos ou aprisionados.

“As mulheres negras possuem, em média, cinco anos a menos na expectativa de vida em relação às brancas. São elas que ocupam os postos de trabalho mais precarizados. Mais de 60% dos trabalhos domésticos são feitos por mulheres negras”, exemplifica Rachel, destacando que a força das mulheres negras, quase sempre apagadas pela desigualdade social e pelo racismo, perpetua uma luta histórica feita no dia a dia. “Temos algo em comum. Somo todas mulheres pobres e negras”, conclui Mônica.

[1] Jornalista da FASE.

[2] Produção contou com o apoio da Fundação Heinrich Boll Brasil.

Manifestação no Largo da Carioca. Foto: Rosilene Miliotti / FASE.

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