“Quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se tornam apaixonantes.”
Dom HelderCâmara
Nós, do Conselho Pastoral dos Pescadores, vimos a publico repudiar o golpe em curso. O Brasil, historicamente, é um país que vive de sucessivos golpes. Podemos citar a independência proclamada por um imperador do tempo de colônia. A abolição que foi incompleta e manteve os negros na condição de escravizados, ao não garantir as condições de liberdade, trazendo graves consequências até os dias de hoje. A república velha marcada pelo poder das oligarquias foi um “golpe militar” no processo das lutas sociais pela república. Em 1964, quando estávamos lutando pelas reformas de base, veio o golpe militar. O processo de redemocratização iniciou com a continuidade de um presidente ligado a ditadura militar. O assenso do governo popular, fruto de um processo cumulativo de lutas e construções de projeto político, se viabilizou através de acordos e compromissos com setores das elites, para a governabilidade através de alianças e coalizões com partidos que estiveram historicamente ligados aos interesses da elite. E por fim, a nossa tão jovem democracia foi interrompida por um golpe político, midiático, jurídico, sexista e racista, que substituiu o voto popular pela decisão de um grupo de parlamentares, que de forma indireta e conspiradora, colocaram no poder um presidente com um projeto de governo não eleito pela população.
O golpe foi marcado por um processo misógino que retira da cena pública a força politica das mulheres, tendo como consequência a generalização da violência contra as mesmas. O golpe também foi permeado pelo racismo estrutural da sociedade brasileira, que intenciona colocar freio sobre todas as iniciativas de emancipação e participação da comunidade negra.
Está a cada dia evidente, que o golpe tem, como principal motivo, a retirada de direitos consolidados na constituição de 1988, que permitiram algumas garantias fundamentais às populações empobrecidas, ainda longe de terem sido atendidas em seus direitos básicos, porém com relevantes melhorias no período de 2004 a 2016, o que incomoda a elite brasileira, que tem o objetivo de retirar os direitos, para favorecer aos interesses do capital internacional e nacional. A lógica é economizar com a diminuição do Estado para pagar os juros da dívida, garantindo o lucro dos bancos. Com a justificativa de combate à corrupção, pretendem esconder o verdadeiro motivo do golpe: manter e ampliar os privilégios das grandes corporações, subjugar o povo e colocar o Brasil de joelhos, diante de grandes nações, principalmente os EUA, abortando assim um processo de integração crescente da América Latina.
As propostas da reforma trabalhista, da Previdência Social, da Educação e, sobretudo, a Proposta de Emenda Constitucional, PEC 241, que congela os recursos públicos voltados para políticas sociais, colocam em risco a vida das populações empobrecidas, ao retirar direitos sociais conquistados a duras penas e com sangue e suor de muitos brasileiros.
Neste cenário, as comunidades tradicionais, especialmente os pescadores e pescadoras artesanais, encontram-se em grave situação de vulnerabilidade. Desde o final de 2014, através do ajuste fiscal, foram frontalmente atingidos nos direitos trabalhistas, previdenciários e identitários, com graves consequências de perdas de direitos, em especial para as mulheres pescadoras. O final do MPA (Ministério da Pesca e Aquicultura) e o repasse da atribuição para o MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento) significou um retrocesso político e social para a pesca artesanal, com a inoperância total dos serviços mínimos para a pesca artesanal. Há mais de 600 mil registros cancelados, suspensos e não entregues, numa total negação dos direitos dos pescadores e pescadoras artesanais.
O golpe potencializará o avanço predador dos grandes projetos sobre as comunidades pesqueiras, retirando seus territórios de terra e água e comprometendo o seu modo de vida.
A saída é lutar contra o golpe… E isso só se dará com o levante da população. Só o povo organizado pode dar novos rumos ao Brasil. Conclamamos os pescadores, pescadoras, agentes pastorais, parceiros e toda sociedade a tomarmos as ruas e nos juntamos a todas vozes, movimentos, articulações e mobilizações que lutam pela soberania do povo brasileiro. Nossa bandeira: NENHUM DIREITO À MENOS !!!
Nas águas da Organização, Pescando vida e dignidade!
Novembro de 2016