Ana Mendes (MS) – CIMI
Dezenas de jovens reunidos em quase completo silêncio. Apenas um de cada vez, no centro do círculo, fala. Depoimentos contundentes de quem, aos 20 anos, já experimentou muito. São os filhos de lideranças assassinadas, meninos e meninas que passaram a infância nas beiras de estrada, sobreviventes de ataques, trabalhadores da cana, vítimas de chuva de agrotóxico. Eles compõem o Conselho do Coletivo Retomada Aty Jovem (RAJ), formado há seis meses sob o signo da luta pela terra. “Hoje, trabalharemos até as 22h”, avisa um deles, revelando a extensa pauta para dois dias de reunião.
O Conselho do RAJ, composto por cerca de 40 jovens das etnias Guarani e Kaiowá, reuniu-se entre os dias 5 e 6 de novembro no tekoha Jaguapiru, em Dourados, no Mato Grosso do Sul, para debater os temas relativos à juventude indígena de todo o estado. Representantes de diferentes localidades imbuídos da tarefa de relatar casos particulares e apontar planos coletivos, em longo prazo. Debaixo de um pé de árvore ou dentro da Casa de Reza exercendo o poder de fala e de escuta se passaram os dias.
“Os karai [brancos] dizem que tenho que estudar filosofia, história, ciências sociais. Os meus professores são esses aqui e eu sou a própria história. Muitos morreram para eu ter um pouquinho de respeito no supermercado”, fala Fábio Turibo, de 20 anos, mencionando o preconceito sofrido nas cidades, por onde os jovens circulam para ter acesso às tecnologias, aos estudos e aos espaços de diálogo e reivindicação. “A terra vermelha depende da pele vermelha. Todos nós aqui somos guerreiros e somos jovens. Vamos batalhar e se for preciso, vamos morrer nessa terra. Somos Guarani e Kaiowá, somos de um povo que resiste há 516 anos. E vamos querer permanecer nessa terra”, defendeu o indígena.
O estado de tensão social, provocado pelo conflito territorial, no Mato Grosso do Sul, está matando, principalmente, os jovens indígenas. Segundo os dados do Relatório da Violência contra os Povos Indígenas no Brasil de 2015, dos 36 homicídios ocorridos no estado, 36% das vítimas tinha entre 20 e 29 anos. Simeão Vilhalva assassinado em agosto de 2015, na Terra Indígena Ñhanderu Marangatu, tinha 24 anos. Clodiodi Aquileu de Souza, agente indígena, assassinado em junho de 2016, tinha 26. Nesse sentido, o genocídio contra a etnia Guarani e Kaiowá, que conta com a marca de mais de 700 suicídios nos últimos 15 anos, é denominado também como ‘juvenicídio’ no relatório de 2015. Sabendo disso, Janio Avalo, de 20 anos, faz um apelo às autoridades: “Eu quero pedir pra parar com o genocídio dos povos indígenas. Porque a gente não quer mais sofrimento, a gente não quer mais derramamento de lágrimas, porque nós estamos sendo muito massacrados. A terra pra gente é a nossa alma. Tupã Marangatu deixou a terra pra gente cultivar”.
A perda eminente de direitos dos povos indígenas que se desenha no atual cenário político do Brasil também preocupa os jovens conselheiros da RAJ e para manifestar-se contra o ‘pacote de ações antí-indigenas’ que corre a passos largos no judiciário e no legislativo Brasileiro, realizaram um ato de repúdio às PEC 215 e 241/55, aos cortes no orçamento da FUNAI, ao Marco Temporal e a Portaria 303 (vídeo abaixo). “Demarcação já!”, bradaram todos, no encerramento do encontro.
–
fotos e vídeo por Ana Mendes e Pablo Albarenga.