Nota Pública da DPU sobre morte de detentos no Complexo Penitenciário em Manaus

A Defensoria Pública da União, por meio de sua Secretaria de Direitos Humanos (SDH) e Secretaria de Atuação no Sistema Penitenciário Nacional e Conselhos Penitenciários (SPC), no exercício de suas funções, em especial a afirmação do Estado Democrático de Direito, a promoção dos Direitos Humanos e na qualidade de órgão da Execução Penal, diante das dezenas de presos mortos nos dois primeiros dias de janeiro de 2017, no interior do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus (AM), vem a público se manifestar nos termos a seguir:

Com projeto inspirado no panótico, o hoje denominado Complexo Penitenciário Anísio Jobim foi inaugurado em 19 de março de 1907, como Casa de Detenção de Manaus, sendo posteriormente batizada de Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa e depois Penitenciária Raimundo Vidal Pessoa. Após anos de funcionamento em precárias condições de estrutura e constante superlotação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou, em outubro de 2016, o fechamento da unidade, a qual deveria ser entregue à Secretaria Estadual de Cultura, a fim de ser transformada em centro turístico. Nada obstante, para lá foram encaminhados presos integrantes da Família do Norte (FDN) e do Primeiro Comando da Capital (PCC), facções rivais, que se somaram aos apenados do regime semiaberto, todos em número muito superior à capacidade da unidade, atingindo o Compaj uma superlotação de 170% no regime fechado e de mais de 400% no regime semiaberto.

A barbárie ocorrida nos primeiros dias do ano de 2017, embora chocante pela quantidade de vítimas fatais e pela violência dos homicídios (o Instituto Médico Legal acaba de divulgar que metade dos mortos foram decapitados), não se revela um fato isolado. Trata-se de consequência direta da ausência de uma política pública séria e comprometida com a garantia dos direitos humanos dos detentos, refletida na superlotação das unidades prisionais, na falta de separação entre os presos, nas condições desumanas e degradantes a que são submetidos os custodiados, em suma, da ineficiência do Estado na aplicação da Lei de Execução Penal e da Constituição Federal.

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), amparado em relatórios do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), bem como nos relatos dos Conselhos Estadual e Distrital de Direitos Humanos, concluiu que é no Sistema Penitenciário brasileiro que atualmente se encontra o principal foco de violação de direitos humanos, situação agravada pela nefasta cultura do encarceramento em massa em curso no país. A crença de que os problemas sociais devem ser tratados com o recrudescimento do aparato repressor do Estado vem alimentando esse avanço do direito penal nos últimos anos, fazendo com que o Brasil já contabilize a quarta maior população carcerária do mundo, sem que nenhum resultado em termos de segurança e pacificação social tenha sido observado.

A Defensoria Pública da União atuou em outros casos envolvendo mortes de detentos em presídios comandados por facções. O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA), foi palco de pelo menos 60 homicídios de apenados no ano de 2013, a sua maioria no mês de dezembro, em que houve seguidos motins em unidades prisionais maranhenses, quase sempre marcadas pela decapitação de detentos.

Após esses fatos, a DPU integrou a Força Nacional da Defensoria Pública em Execução Penal em Pedrinhas, que desenvolveu seus trabalhos nos dois primeiros meses de 2014 e a partir da qual foi proposta ação civil pública contra a União e o Estado do Maranhão, ainda em trâmite na Justiça Federal em São Luís. A ação judicial possibilitou a construção de um acordo que, em linhas gerais, previu o Plano de Recuperação do Sistema Penitenciário Maranhense, a reforma de Unidades Prisionais, a interdição parcial de presídios, a adequação de serviços nas penitenciárias, a reformulação do sistema de identificação de presos, a alteração de regras para comunicação de transferência de detentos, a reorganização do trabalho e da educação de apenados e a separação entre presos provisórios e definitivos.

Passados mais de dois anos da celebração do acordo, a DPU ainda acompanha seu cumprimento. Para tal, o núcleo da DPU em São Luís promove mensalmente reuniões com a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão e com o Núcleo de Execução Penal da Defensoria Pública do Estado. O acompanhamento possibilita a fiscalização das metas a serem alcançadas e dos resultados concretamente obtidos. Após a celebração do acordo, houve sensível diminuição do número de mortes no sistema prisional maranhense. Outras medidas que devem ser estimuladas são: a universalização da audiência de custódia, estímulo às penas restritivas de direitos, incentivo à empregabilidade do egresso, programas de educação aos detentos, melhoria das instalações físicas das penitenciárias, entre outras.

Por fim, a Defensoria Pública da União reforça que o Estado Brasileiro é diretamente responsável pela vida e pela integridade física, psíquica e moral dos cidadãos mantidos sob sua custódia nas unidades do sistema prisional, tocando-lhe a salvaguarda dos direitos humanos de todos os presos, por força da Constituição Federal, bem como dos diversos diplomas legais nacionais e internacionais atinentes à matéria. Assim, a DPU se solidariza com as famílias dos presos mortos e conclama o Estado brasileiro a implementar políticas públicas que promovam urgentemente uma reforma no sistema penitenciário nacional, de forma a evitar a proliferação de massacres como este ocorrido no Estado do Amazonas.

Defensoria Pública da União

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